Chove lá fora

Como ela tem sido esperada como avidez desde quando a seca se fez.

Rios secaram. Açudes mostravam o fundo rachado. Animais, em plena estiagem, exibiam costelas, emagreciam a olhos vistos. Reses morriam de inanição. Gente do campo orava fervorosamente ao pai do céu. Que ele pedisse ao dono da torneira que controla as águas nascidas nas nuvens que – por favor, se transformassem de brancas em cinzentas da cor que mostra que a chuva vai cair dentro em pouco. Senão o que iria ser da terra ressequida, da roça de milho de pouco semeada, da cana nova inserida a terra, elas não ficariam nunca verdes, da cor das maritacas palradeiras.

Mas as águas de fim de ano não se anunciavam. As jabuticabinhas verdinhas, naquele secume exagerado, jamais se tornariam doces e suculentas. Não serviriam de pasto ao apetite jabuticabento dos garotos da roça. Que disputavam uma a uma com marimbondos, moscas, nem com as joaninhas que se mostravam na estação passada subindo pelo tronco esguio das jabuticabeiras nascidas há anos tantos nos fundos da casinha tosca de um retireiro madrugão.

De repente o céu acinzentou-se. As nuvens antes brancas metamorfosearam-se em cinza plúmbeo. O azul do alto não mais se fez presente. Essa transformação eloquente da natureza foi o presente de Natal com que sonhavam os homens rurais. Não eram com camisas novas, calças rancheiras, botinas gomeiras com que sonhavam aqueles seres maduros, tezes tostadas pelo sol, mãos caludas, falas nascidas do fundo da garganta mouca, estoicos admiradores do canto do trinca ferro que por vezes, incautos, se deixavam apanhar nas redes finas armadas com essa intenção malévola.

E a chuva de repente despencou furibundamente. Pingos grossos se deitavam no chão ressequido. Enxurradas desciam do alto do morro agudo tornando barrenta a estradinha morro acima, complicando a vida do bom homem do campo ao levar o leite ao alto da subida, na carroça manquitola que era puxada por uma mula obesa, que, de tão desacostumada à lida relinchava e empinava ao ser atada à carroça velha, cujas rodas trôpegas faziam um ruído estranho ao rodarem morro acima. E quase, uma vez alcançada a planura, onde o velho caminhão leiteiro chegava, com o tanque cheio de leite oriundo de outras propriedades, a carroça tombava de tanto peso, a pobre mula caía de costas, deixando o homem que a puxava em maus lençóis. Sorte não ter provocado a queda transtornos maiores que um simples esfolão. Um entorse no tornozelo do Sebastião, nome do valente guerreiro que, mesmo ao sabor do preço vil do leite, insistia na nobre arte de produzir aquele bem de consumo notável. Que nas gôndolas do supermercado atinge cifras estratosféricas, conquanto o preço pago ao produtor se torna ridículo justamente na estação quando as chuvas começam a cair, com seus pingos magníficos.

Hoje dormi com pingos da chuva tamborilando no vidro da janela do meu quarto. Sonhei com a felicidade estampada nas faces dos valentes homens da roça.

Na manhã, bem cedo, creio antes das cinco da manhã, ao abrir as duas bandeiras da porta janela de onde passo horas amenas junto a minha adorável esposa, havia parado de chover.

No piso asfáltico, nas folhas da seringueira, se viam indícios de chuva madrugadora. Tudo estava molhado. Conferindo umidade inclusive ao secume de minhalma.

Agora, sete da manhã, desta terça feira maravilhosamente bela, ainda chove lá fora. Um pingo aqui, outro ali, outros acolá.

Mas, a me ver por dentro, embora não me rasgue o peito, tumultuado de sensibilidade e amor por escrever, sinto que não apenas chove lá fora. Como também chove dentro de minhalma sonhadora.

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