Falácia dos boateiros

Tem gente que não vive sem espalhar inverdades em sua vidinha insossa. “Que falem mal, mas falem de mim”. Esta é sua máxima.

Tudo pra eles se torna motivo para desdizer fofocas sobre alguém que nunca fez isso ou aquiloutro. Sobre o pobre Mané Trovoada, que este apelido tomou por ter verdadeiro pavor de relâmpagos que riscam o céu em dias de chuvadonha, maldiziam que ele era pedófilo. E o injuriado amava crianças como se fossem netos. Sobre a Adalgisa, aquela biscate que em verdade nunca foi, estes desocupados adoram semear a discórdia. E sobre seus próprios rabos, que têm a ficha mais suja que aquário cheio de lodo, do qual nunca foi trocada a água, sempre dizem, em conversas que não dizem nada, que continuam sendo as pessoas as quais nunca sujaram o pé na lama. Embora vivam com a sola dos sapatos mais barrentos que a subida da roça depois de tormentas frequentes naquelas bandas. E não se emendam de comentar desgraças, quando a vida continua sorridente, contrariando as falácias que mandam pelo correio. Sem endereço certo. Doa a quem receber…

Um dia a casa vai cair para estes boateiros desocupados. Foi o que aconteceu ao Zé Fofoqueiro. Ou Boateiro, como queiram.

Ele passava o tempo ocioso, que para ele era o intervalo entre o despertar das manhãs ao cair da noite, reunido com os amigos do ócio naquela pracinha onde o mato crescia no tempo chuvoso e a poeira imperava na seca rusguenta.

Aposentado prematuramente,  embora nunca tivesse sido apresentado ao trabalho duro, vivia de rendas de uma tia torta que a ele criou como filho bastardo, que em verdade era.

Aos vinte anos tentou emprego numa mercearia da esquina. Mas logo foi despedido por justa causa. Aos trinta, montado na fama de não saber fazer nada que prestasse, retentou trabalhar na quitanda de um português de riso contido. Ali ficou por pouco tempo. Justamente por fazer piadinhas sem graça de português. Logo logo virou motivo de chacotas em todos os arrabaldes. Por ter sido pego atrás do balcão lendo revistas pornográficas e naquela hora exata foi pego em fragrante pela mulher do dono. Com a bermuda abaixada. Quase desnudo, pensando ser a cliente da hora seu caso pensado e nunca consumado.

Zé não durava mais que as chuvas de verão em qualquer ocupação que fosse. Aos quarenta, não se sabe por intervenção de que alma podre, conseguiu se aposentar por invalidez. Foi ele mesmo quem, numa briga de bar, meteu o punho fechado numa vidraça suja, intencionalmente, acabou rompendo os tendões de dois dedos da mão direita, foi operado em tempo retardado e ficou com os dois dedos em gatilho. Tortos como a cacunda de um compadre que sofria de cifose aliada a uma lordose sem solução. Daí em diante juntou a vontade de não trabalhar como desejo de ficar à-toa olhando os passarinhos cantarem.

A partir desta data, a mais feliz de sua vida de falador contumaz, vivendo com o salário mínimo que para ele era o máximo do desfrute, já que não pagava aluguel pois vivia sob o teto da tia meio caduca, comia o que lhe davam, vestia o que conseguia ganhar de aniversário, as despesas para ele eram tão poucas que a aposentadoria até espichava ao meio do mês. Nos outros dias Zé não pensava no que ia dar. E chutava as dívidas pro ar.

O que importava ao falastrão Zé era contar causos e coisas, dos outros que lhe passavam ao largo dos olhos.

Era esta a sua costumeira ocupação. A que sempre o alimentou durante toda sua vida desocupada.

Num dia falava do pobre médico que se desdobrava entre três empregos para suprir a renda pouca que percebia no consultório particular. Para ele o profissional da saúde deveria passar mais tempo naquele postinho de saúde de periferia.  Mal sabia ele que o dedicado esculápio tinha que operar todos os fins de tarde noutra unidade de saúde pública como serviçal dedicado. O honorário que engrossava-lhe o salário era tão ingrato que mal dava para pagar o condomínio do prédio onde morava.

Zé Fofoqueiro não se apoquentava em saber a verdade. O que amava era espalhar inverdades. Era ativo frequentador de uma rede social. Ali era o rio onde desaguava as injúrias contra tudo e contra todos.

Postava notícias enganosas contra o padre santo. Contra o padeiro madrugão não perdia a chance.

E assim corria-lhe o tempo. Varava madrugadas plugado a internet. Embora não tivesse computador próprio. Usava o que lhe estava a mão.

Eis que, durante o carnaval, Zé, fuxicando as telhas do computador de uma casa qualquer, postou uma notícia falsa, como era de sua índole.

No face deixou atestado que uma senhora, de conduta ilibada, irretocável, havia passado o carnaval em sua companhia.

No dia seguinte a infausta postagem recebeu, na porta da casa onde morava, o oficial de justiça. Era uma intimação para comparecer à delegacia.

Ou se desmentia ou ficava a ver o sol nascer quadrado.

Zé Boateiro amarga cadeia até nos dias de hoje. Não tinha como pagar fiança. E seus pseudo amigos faceanos não apareceram para salvar-lhe a pele cheia de nódoas que nunca saem.

Daí recomendo cautela: com a falácia dos boateiros.

 

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