Quando a velhice chegar

É uma pergunta que me faço todas as manhãs.

A partir de qual idade se considera velho? Aos mais de sessenta? Menos que isso? Ou tudo vai depender de nosso estado de espírito?

Quando em contato com meu netinho Theo nivelo-me a sua idade. Sinto-me menos de dois. Ainda trôpego, mal falante, um garotinho ainda. Carecendo de fraldas e de muitos cuidados.

Mas, quando vejo assentado a frente de onde escrevo, como médico que sou, um senhor, sênior, montado em muitos anos de vida, com a audição capenga, mal enxergando o que se mostra de fora da minha janela, custando a entender as minhas perguntas, precisando de cuidados com sua próstata enferma, logo me volta a questão de quando nos consideraremos provectos.

Tomara ainda continue na idade do meu netinho querido, por incontáveis anos ainda. Bastante iludido por me achar assim. Mas, no caso de voltar os pensamentos a idade que conto agora, beirando os setenta, que a idade avançada não me pese tanto aos ombros. Oxalá.

Já disse e repito que senilidade depende de quando a gente deixar que o desânimo nos cavalgue os ombros. Enquanto continuar assim, sempre caminhando, ávido por aprender sempre mais, com o tirocínio em dia, escrevendo todas as manhãs bem cedo, lançando livros a cada ano, correndo nas ruas como um carro faz, jamais vou permitir que me chamem de idoso. Embora saiba das prerrogativas que tentam nos facilitar a vida. E delas uso mão. Sempre que as oportunidades aparecem.

Mas quando a velhice chegar, e não mais puder fazer tudo que gosto, como faço nos dias de agora, que eu saiba recebê-la sem contestá-la. Não ficarei amuado a um canto. Soltarei meu canto nem que sejam alguns trinados apenas. Tomara minha pena não cale. Nem a inspiração me abandone.

Que as pessoas que me cercam não deixem de admirar meus tantos anos. Sem risos de troça. Sem escárnio. Muito menos rancor. Não me chamem de velho gagá. Prefiro tio.

Quando a velhice chegar, antes que perca a capacidade de escolher os meus desígnios, por favor, não impeçam que eu me despeça da vida quando a mesma não tiver o mesmo colorido de agora. Apenas eu, ninguém mais do que eu, eleja partir rumo ao infinito na hora que me der vontade. Não me deixem atado a um leito quando apenas meus olhos se abrem. E meu corpo enfermo não mais apreciar a vida que estou levando. Jamais deixem meu corpo alquebrado levantar um dedo da mão quando quiser dizer algo. Já que minha fala foi alijada do mesmo corpo cansado de viver. Quero mais. Viver a vida com alegria de quando a mocidade vivia dentro de mim. Quantos anos fazem…

Quando a velhice chegar, de agora a alguns anos, quem sabe quando, e eu, senhor de mim, não mais puder reconhecer os amigos, nem mesmo os netos queridos, numa idade distante do hoje, quando a saúde que amo tanto me disser adeus, permitam-me partir desta vida a outra. Embora não saiba o que me espera do outro lado.

Quando a velhice chegar, caso estiver incapacitado de pelo menos andar, coisa que amo tanto, de ditar o que meus pensamentos falam, quando perder a vontade de viver, mais um por favor lhes imploro. Não impeçam meu desejo de me afastar de tudo isso. Deste sol que me aquece nos dias frios. Desta luz que me ilumina. Da família que tanto amo. Do ato de escrever que me domina.

Mas quando a velhice, a maior idade, a senioridade, ou como a chamarem, deixar minha juventude de lado, que eu tenha a opção de escolher o que vai ser melhor pra mim.

E quando a velhice chegar, de hoje a não sei quantos anos, tomara ela chegue de mansinho. Não correndo como eu gosto de fazer. Que ela não seja sentida tanto. Que minha velhice suba degraus um a um. Que meus pés não titubeiem. Que sejam degraus bem leves. Para que eu não tropece no meio do caminho.

Mas quando a velhice chegar, de hoje a não sei quando, ainda me sinto um jovenzinho, não sei se esta é a opinião dos que passarinham os olhos no que escrevo, que ela seja amena e sorridente. Que ainda permita que mostre meus dentes verdadeiros. E não seja preciso recorrer a uma prótese tão incomoda. Que se desgruda de mim com a vida irá se desgrudar um dia.

Finalmente, quando a velhice der as caras, tenho tanta coisa mais a dizer dela, não que seja contra o envelhecimento. Mas que ela dói e faz doer a todos que amamos e respeitamos. Lá isso é. Não me contradigam.

Não sei se estarei pronto a encarar a senilitude no tempo certo. Mas caso assim não suceder, quanto estiver cansado de sobreviver, não me contrariem. Nunca. Sempre fui casmurro e turrão. Principalmente quando me afastam do meu chão.

Permitam-me, como derradeiro desejo, fica aqui meu testamento, não será preciso reconhecê-lo em cartório, quando a velhice chegar, e eu não mais puder apreciar o céu do lado de fora da minha janela, com estes olhos que me deram de presente, que enxergam tão bem, se por acaso eles perderem o viço, eu mesmo sentir cá dentro que meu tempo expirou, mais um por favor, me permitam.

Não quero, nem desejo, um hospital para penar meus últimos dias. Deixem-me partir num lugar que amo tanto. Na minha rocinha encantada. Cercado dos meus escritos.

 

Deixe uma resposta