Levando na bagagem o doce peso da responsabilidade

Coisas existem que são imponderáveis.

O peso de um sonho. O farfalhar de asas de um beija-flor. O despencar da flor do ipê caindo ao chão. O abraço da mãe ao enlaçar um filho. A saudade de quem vai, e a indecisão de quem fica esperando a volta de quem foi.

Na contramão destas indefinições penso que o maior peso, o que causa maior constrangimento e dor, é quando um pai se despede do filho, quando este é chamado, por uma força superior a ir ao céu, viver ao lado de anjos, fazer companhia a nosso Senhor.

Acredito que a responsabilidade dentro de mim acordou cedo demais.

Uma vez menino ainda não tinha a noção do que fosse aquilo, que nos faz perder o sono, nos tira cedo da cama, e lá vamos nós ao trabalho, em busca do ganha pão.

No entanto, depois de certa idade, perdida a mocidade, assim que concluímos os estudos, no meu caso a medicina foi a escolhida, quase não tenho tempo para pensar noutra vida senão nesta atividade tão prazerosa, entretanto bastante exigente, a qual tem sob sua responsabidade a vida das pessoas.

A paternidade foi pra mim tão agradável como tem sido cuidar dos enfermos.

O nascimento do meu primeiro filho foi pra mim um grande acontecimento. Ainda me lembro, na maternidade, quando aquela coisinha linda deixou a segurança do útero materno para enfrentar o desconhecido.

Com que emoção tomei em meus braços aquele bebê chorão. Com que amor chorei. Fiz-me de durão. Levei ao quarto aquela trouxinha embrulhadinha numa manta protetora. Mal tinha coragem de desembrulhar aquele arremedo de gente. Deixei a incumbência a enfermeira que o assistiu na sala de parto.

A seguir, cinco anos depois, veio uma menininha a alegrar-me a vida. Um casal foi o suficiente para que eu me decidisse pela vasectomia. Caso tivesse outros filhos talvez fossem muitos. Dois penso ser a conta ideal para acompanhar-me durante a vida toda. Pois, imaginava, naqueles tempos que se vão ao longe, outras pessoinhas lindas viriam ajudar na minha velhice.

De fato.

Há dois anos e um tantinho atrás veio o primeiro neto. Theo foi o coroamento para a felicidade em que me encontro hoje.

Netos gostaria de tê-los aos montes. Pois a responsabilidade de criá-los não nos cabe mais.

Já fizemos muito pelos nossos filhos. A função dos avós apenas e tão somente é deseducar aquelas coisinhas lindas, fazê-los sorrir, alimentá-los quando a mãe se faz ausente.

Depois do Theo nasceu o Gael. Assisti ao parto com a mesma emoção do primeiro neto.

Seus pais me deram o prazer de que ele ficasse junto a nós durante seu primeiro mês de vida.

Já ontem Gael se foi. Mas, certo que ele volta logo controlei as lágrimas. Mas um sentimento de perda enorme senti ao ver aquele bercinho vazio, aquele quarto espaçoso entregue as suas lembranças.

Agora, em minha casa, só ficamos nós. O vazio da ausência nos faz ficar pensando neles todos. Tanto em nossos filhos quanto nas crias que eles inseriram no mundo.

Amanhã, num futuro tomara distante, tanto meus filhos, quanto meus netos, nem se lembrarão do quanto os amamos. Nem sentirão a nossa partida. Quando não mais estivermos neste mundo.

Quando Gael se foi, levado por seus pais, depois de ajudar a arrumar a bagagem imensa que lotou o carro, novamente passou-me pelas lembranças o peso da responsabilidade. Antes meu filho ia só. Apenas ele e sua pequena esposa.

Agora o peso da responsabilidade dele aumentou. Mas, penso ser possível dividi-la ao meio. Logo todos estarão de volta. Tomara este dia não tarde muito.

Meu consolo é que Theo ficou aqui. De agora a algumas horas vou vê-lo de novo. Gael, de tão pequeninho, ainda não reconhece o avô.

Ao acompanhar meu filho levando sua cria na bagagem pensei no doce peso da nova responsabilidade.

Antes o carro ia quase vazio. Agora são quase quatro quilos a mais. Fora tudo que Gael precisa para ir adiante. Podem dizer que o novo peso tem pouca magnitude. Mas, pensando na responsabilidade que meu filho tem agora, difícil se torna avaliar o peso da vida nova.

Mas, tenha certeza, filho meu. Com meus braços ainda fortes a sua carga não pesará tanto. Pois ainda me sinto capaz de ajudar a tantos netos que a vida por certo me trará. Com a mesma felicidade de quando tanto Theo quanto Gael nasceram. Eles apenas fortaleceram o velho que trago dentro dos meus tantos anos. Mesmo sujeito a tantos desenganos, que ainda terei pela frente.

Quando me perguntarem o peso da responsabilidade, não hesitarei em responder: ela não pesa nada. O que são alguns quilogramas frente ao sorriso dos meus netos? Um peso obsoleto, frente a alegria que junto a eles terei.

 

 

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