Amarga ilusão

Os anos passavam lépidos e aquele senhor não encontrava a companheira ideal.

Solitário, amargurado, Seu Nonô vivia entregue às lembranças de um passado morto.

Aos vinte anos consorciou-se a uma linda rapariga. Mais jovem que ele alguns poucos anos.

Viveram às turras por alguns meses. Logo se separaram. Os motivos eram vários.

A diferença de idade, a falta de atrativos do pobre homem do campo, as economias escassas, o trabalho constante, logo fizeram que o casamento fosse a pique.

Em menos de cinco primaveras a cabocla faceira logo caiu na estrada. Deixou o pobre Nonô a ver navios naquela roça seca, de onde nunca poderia ver o mar.

Dez anos se foram. Aos quase cinquenta anos, ainda disposto, com boa saúde, o quase ancião acordava ao cantar do galo, depois de uma noite insone, amassava o travesseiro, pensando na mesma mulher, e logo ia ao curral ordenhar as poucas vacas que tinha.

O trabalho pesado era a única diversão que havia naquelas bandas esquecidas, num lugar ermo, mais parecido ao fim do mundo.

Quando algum desavisado passava por ali logo era advertido que havia se equivocado no caminho. E dava meia volta deixando o pobre solitário pensando na vida dura que levava.

Aos quase sessenta anos Seu Nonô teve um sonho. Ou teria sido um delírio?

Despertou em sobressalto. Pela sua cabeça de pouca lucidez, durante a noite mal dormida, imaginou que uma linda cabocla, muito parecida àquela outra, havia aparecido, não se sabia de onde, a sua rocinha perdida onde a vaca tosse e não consegue ser medicada, e acaba morrendo de pneumonia.

De fato, na manhã seguinte, era começo de primavera, temperatura em elevação, nada de indícios de chuva no ar, eis que por aquele lugar veio, de carona no caminhão leiteiro, uma linda mulher.

Morena clara, corpo esguio, cabelos lisos, corpo escultural.

Seu nome era Anna. E ainda assinava Martha, com th.

Segundo constava na sua certidão de batismo a linda Anna era bem jovem ainda. Bem antes dos trinta parecia menos.

Ela confidenciou ao solitário Nonô ser nascida na roça. Mas, por desventuras na cidade, não havia encontrado a paz com que tanto sonhava.

Anna havia enviuvado há apenas dois anos. Não tiveram filhos no matrimônio.

Desde então fez de tudo um pouco para atenuar a perda do marido tão querido.

Como não havia estudado, sem formação adequada, de começo empregou-se num supermercado. Ali não teve sorte. O gerente, assim que lançou olhares cobiçosos em seu corpo tentador, passou a assediá-la com muita frequência.

Por não ter concordado com suas cantadas, ao recusar-lhe o assédio, foi despedida por injusta causa. E voltou a rua, sem ocupação, sem nada a fazer.

Anna Martha passou tempos bicudos. Não era do seu feitio ter vida fácil. Caso desejasse ser mulher da vida talvez ganhasse o suficiente para viver confortavelmente.

Mas, na primeira vez que dormiu ao lado de um homem, sem ter amor, acabou maldizendo aquela noite ingrata.

Acordou, foi ao banheiro, tomou um banho rápido, e deixou o companheiro dormindo a sono pesado. Nunca mais se deixou levar pela vida fácil.

Tentou trabalhar. Mas todos os empregos queriam dela o que ela não gostaria de dar. Anna Martha passou quase dois anos entregue ao ócio. Não teve mais homem ao seu lado. Não que não apreciasse o sexo. Mas era exigente com quem a tocasse.

Foi com estes argumentos que Anna Martha apareceu na roça do seu Nonô. Que logo se encantou por ela. Embora em idades díspares Anna era tudo que queria. Na sua vidinha insossa ao seu lado para passar os últimos dias.

Parece que desta vez a sorte conspirava a favor de desventurado Seu Nonô.

A bela Anna era a materialização de tudo que havia sonhado antes. Nunca mais dormiria só. Teria uma mulher de verdade ao seu lado. Tomara até a morte os separasse.

Um ano inteiro se passou. A primavera cedeu lugar ao verão. Daí veio o inverno. Dias frios, uma secura intensa fazia a pastaria amarelar.

Mesmo assim Seu Nonô era feliz e bem sabia. Anna Martha, até aquela primavera quente, era a realização de seus sonhos. Ao lado daquela mulher bonita era a pessoa mais feliz do mundo.

Era uma segunda-feira quando acordou sem ninguém ao seu lado. Anna, misteriosamente havia desaparecido.

Seu Nonô procurou a companheira por toda parte. Passou dias, meses, sem notícias de sua amada.

Naquela madrugada, quando Anna desapareceu, o velho Nonô caiu enfermo. Nunca mais foi o mesmo.

Até mesmo a alegria nunca mais foi vista nos olhos infelizes do velho homem da roça.

Foi quando descobriu, alertado por um amigo, que Anna Martha em verdade era uma oportunista. Fazia o mesmo com outros velhos solitários. Que depois de experimentarem a felicidade se viram desprovidos de tudo. Inclusive das economias de toda uma vida.

Dois anos depois do sumiço de Anna Seu Nonô foi internado num hospital. Daí a morte foi um passo curto. Para quem viveu tanto tempo a procura da felicidade a presença de Anna não passou de uma amarga ilusão.

 

Deixe uma resposta