Sono profundo

Dona Elazinha sempre foi uma pessoa ativa.

Em criança era a primeira a chegar à escola. Boa aluna, atenciosa com os colegas, era o xodó das professoras, até completar o segundo grau.

Uma vez perdida a infância, como infelizmente acontece a todos nós, a linda mocinha queria ir mais longe. Ambiciosa, Elazinha gostaria de se tornar professora.

Bem sabia ela que esta profissão tão importante não tem o devido respeito neste país onde vivemos. Muitas vezes os mestres são desacatados pelos alunos. Sujeitos a baixos salários. E têm de enfrentar duras jornadas para se manterem vivos na sociedade.

Mesmo assim Elazinha persistiu em seu sonho. Estudava do nascer do dia ao cair da noite. Fez-se professora depois de concluir o curso secundário. Enfim, pensava ela, seria a coroação dos seus desejos.

Como na cidade onde morava não havia vagas em nenhuma escola do município a recém-formada resolveu se mudar para outro lugarejo.

Ali, naquela cidadezinha perdida no meio do nada, afinal Elazinha parece que havia encontrado seu caminho.

Mas não foram fáceis os primeiros anos. Como percebia pouco, o salário terminava antes do meio do mês. E o resto tinha de passar a espera do outro mês. Daí as dívidas que se amontoavam no tampo da mesinha do centro da sala.

Elazinha não se casou. Passou a vida inteira em companhia dela mesma. Era feliz a sua maneira. Cuidava da pequena casinha com esmero de uma boa dona de casa.

Uma coisa atormentava aquela professora. Como passava as noites em claro, corrigindo as lições de casa, o sono não a seduzia.

Elazinha contava nos dedos quando foi que dormiu pela última vez. Isso foi em criança. Antes de se tornar  professora.

Acordava sem ter dormido, e logo ia à escola que, felizmente era perto de onde morava. Mal se aguentava em pé. De vez em quando algum aluno, preocupado com o cambalear da professora, oferecia-lhe uma cadeira onde se recostasse.

Era ali que Elazinha terminava a aula. Fechando os olhos ladeados por olheiras profundas. Indícios evidentes da sua insônia.

A mocidade deixou Elazinha a olhar para frente. Ela chegou aos cinquenta anos sem saber quantas horas havia dormido até então.

Eram bem poucas. Talvez menos do que dura uma chuva de verão.

Até que um dia, do qual se lembra sem saudades, Elazinha acabou caindo no sono durante uma aula. Foi acordada por uma colega. Com a seguinte admoestação: “Elazinha, você precisa dormir nem que sejam algumas horas por dia. Caso contrário um dia você vai sentir na pele os efeitos desta  insônia cruel”.

Aconselhada por aquela colega Elazinha procurou ajuda médica. Saiu da consulta com uma receita de tarja preta. E começou a tomar o medicamente que talvez a fizesse dormir.

E nada de o efeito desejado conseguir. Continuou a passar as noites em claro. No máximo por alguns minutos fechava os olhos. Mas o sono profundo não chegou a sentir.

Uma vez aposentada, por total incapacidade de continuar a lecionar, Elazinha, afinal, pensou ter encontrado a paz que sempre buscou. Quem sabe, uma vez sem o compromisso de acordar cedo, de passar a noite corrigindo as lições de casa, ela se livrasse da incômoda insônia. O mal maior que a afligia.

Mas foram debaldes as tentativas. Elazinha continuava naquele mesmo estado. Nem mesmo a televisão a ajudava a entrar em sono profundo. Ler, não era do seu costume. Contar carneirinhos não a fazia fechar os olhos.

Desesperada, já de mais idade, Elazinha um dia, era uma noite chuvosa, tomou a si uma decisão intempestiva.

Abriu a caixinha de medicamentos receitados para dormir, tomou uma cartela inteira, deitou-se na cama, e dali não saiu mais. Noutro dia encontraram o que restou da pobre senhora dormindo um sono profundo. Era o sono pesado da morte. O descanso final.

 

Deixe uma resposta