Se pudesse voltar no tempo…

Já não temos mais vinte anos. A infância se foi. A inocência ficou perdida no tempo. E a saudade de repente brotou.

Quase aos setenta, beirando a idade que levou meu pai, mais sete apenas ele se foi, de repente minhas memórias entraram-me pensamentos adentro.

Mais uma vez o passado me assedia. Não tenho como me desvencilhar dele e de suas lembranças.

Não nasci nesta cidade linda. Emoldurada pela serra da Bocaina.

Lá longe outra serra me viu nascer. É a serra da Boa Esperanca, imortalizada por Lamartine Babo, numa canção que leva o seu nome.

Não tenho boas recordações daqueles velhos tempos. Lembro-me, por indicação dos meus pais, que vim ao mundo na Rua Coqueiral. Se a memória não me atraiçoa foi no número 155.

Um sobradinho que ainda resiste à fúria do tempo. Um dia fui parar naquela morada. Onde, segundo os proprietários, existia um pé de camélia rosa. Que por certo não existe mais.

Tenho, aqui comigo, numa fotografia amarelecida pelos anos, um foto minha, num galinheiro escondido no fundo do quintal, onde eu, menino ainda, desnudo me arriscava a perder minha fimose. Já que galinhas famintas ciscavam pertinho de onde estava.

O tempo passou. Serelepe, voraz. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil, acabou se transferindo para minha Lavras querida. De onde não saí mais.

Foi naquela rua, que daqui se deixa ver, pelos fundos, onde criei raízes. Aos cinco anos aqui vim a residir. Aquela casa, agora de janelas cerradas, a mesma onde passo ao cair das tardes, onde fui feliz ao lado dos meus pais e de meu irmão mais novo. Fred, ainda jovem, passou a viver em Belo Horizonte.

A única cidade onde passei alguns anos. Para completar minha formação aqui iniciada, e ainda não completa, pois acredito ter muitos anos pela frente.

Na juventude, ainda criança, vestia um uniforme verde e branco.  O mesmo que hoje enverga meu primeiro neto- Theo.

Que saudade daqueles verdes anos. E de alguns colegas que infelizmente não estão mais aqui. Agora eles moram no céu.

Hoje, começo de maio, mês dedicado às mães, o dia amanheceu tinto em cinza. Um clarume tímido ilumina mais adiante. Parece que no decorrer da tarde pode chover. São as últimas chuvas deste semestre. Acredito que sim.

Se pudesse retroceder no tempo não sei o que seria de mim.  Creio ter feito a escolha certa. No que diz respeito à família onde nasci.

Quanto a profissão abraçada não restam dúvidas. A medicina foi a que me tem feito mais feliz. Embora sujeito a percalços encontrados pelo caminho. Quem não os tem não viveu. Pois não teve a oportunidade que eu tive. De ter pais como os meus.

Se pudesse voltar no tempo, quem sabe indo por outro caminho, tivesse encontrado a felicidade que procuro, por vezes não a encontro. Mas não tenho dúvidas que acertei na loteria da vida. Ganhei o prêmio máximo. Não apenas na primeira família onde nasci. Como da mesma forma na outra que me veio ao encontro, desde que fiz a escolha da parceira que me deu dois filhos que hoje me presentearam com três netinhos lindos- Theo, Gael e Dom.

Se pudesse retornar no tempo, e pudesse eleger outra profissão, talvez não fosse feliz como sou. A medicina, embora tenha mudado tanto, continua a ser minha primeira mulher. Por vezes digo, quando me perguntam se estou aposentado: “você gosta mais de escrever ou de operar?”

Na hora respondo: “a medicina é a esposa. A literatura a amante”.

Não digo de qual gosto mais.

Se pudesse retroceder nos anos, alguns anos a mais, quando aqui cheguei, nesta cidade linda, talvez tivesse conseguido mais amigos. Os que amealhei na minha juventude já partiram. Poucos ainda restam. Mas acredito que são bons amigos. Pena que não possa conviver ao lado deles. O trabalho nos afasta. Cada vez mais.

Caso pudesse voltar no tempo gostaria de não ter cometido tantas injustiças. Aos injustiçados o meu perdão. Não interpretem mal os meus senões.

Se eu pudesse, quem sabe um dia, voltar no tempo, como apreciaria ter a oportunidade de abraçar meus pais. Agora deles só restam as saudades. E as velhas fotografias, pálidas lembranças, daqueles tempos bons, que infelizmente não voltam mais.

Bem sei que não se pode voltar no tempo. Quem sabe um dia?

No dia de hoje, nesta manhã cinzenta, foi que imaginei voltar no tempo. Tudo isso é mera utopia. Sonhos são sempre sonhos. E nada mais.

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