Finados

Amanhã, dois de novembro, é dia de se lembrar dos mortos.

Dois de novembro cai num sábado.

Dia de ir à roça. Ver como anda a pastaria. Depois da chuvadonha que caiu na noite de ontem.

Ainda me lembro de um dia de finados que passou tempos antes. Era um sábado como esta sexta-feira.

Acordei como de rotina bem cedo. O relógio ainda não marcava cinco da madrugada.

Tomei a caminhonetinha prateada estacionada a frente da minha casa. A tal quase não andava. Ficava a semana inteira paradinha. A espera de o próximo final de semana.

De vez em quando a tal não funcionava. Tinha de fazer uma chupeta para que a danada não me deixasse na mão.

Ali cheguei por volta das cinco e meia. A estrada estava vazia. Fora alguns madrugões como eu. Poucos se atreviam a saltar da cama bem cedo. Já que sábado deveria ser dia de descanso.

Quase chegando ao meu palmo de chão dei de cara com um vizinho de cerca. Era o Geraldo da Dona Nega. Quase ao final da ordenha. Preparando-se para ir a cidade prantear seus mortos.

Ele me saudou e me convidou a entrar em sua morada. Tomamos o café juntos. Acompanhado de uma broa de milho e de alguns quitutes preparados de véspera.

Foi quando o amigo Geraldo contou o acontecido no dia de finados passado.

A sua melhor vaca acabou de atolar no barro grudento de um brejo que deveria ter sido drenado nas últimas chuvas. E por falta de tempo Geraldo acabou não fazendo o que deveria ter sido feito.

A vaca, de nome Malhada, foi enterrada debaixo de uma mangueira. Conforme ele disse, com olhos lacrimejantes, até hoje, passado tanto tempo, ele ainda se lembra do dia infausto do acontecido.

Uma cruz em forma de chifres assinala o ponto exato onde a desafortunada Malhada foi sepultada.

Despedi-me do amigo Geraldo pois tinha pressa. Antes que a manhã fechasse os olhos de sono deveria retornar à cidade.

Fiz uma vistinha rápida a minha rocinha prejuizenta. Pela boca do meu retireiro soube das últimas novidades que não eram tão boas.

Dé, com aquele jeitinho moleque, sempre usando o seu indefectível boné, afirmou, sem ter tido participação no infausto ocorrido, que a égua que eu tinha comprado de outro vizinho de pasto acabou atolando no mesmo brejo da outra vez.

Só que desta feita o pior aconteceu. Não teve como desatolá-la do lamaçal que se formou depois da chuva de ontem. A pobre égua foi ao céu. Sem que eu tivesse a oportunidade de montá-la como gostaria.

Fizemos uma breve visita a sua sepultura. Oramos um par de minutos.

Deixei o obreiro Dé entregue a sua faina diária. A primeira ordenha estava apenas começando.

De volta a cidade, já era quase meio dia, lembrei-me de fazer outra visita a outro amigo.

Encontrei o Zé Peleja entregue ao manche do seu trator. Ele acabara de encher um silo de milho picado de pouco. E nem tive tempo de cumprimentá-lo. Gente da roça fala pouco. E trabalha dobrado.

Já era quase meio dia quando retornei à cidade. Tomei um banho morno. E fui ao cemitério prantear meus mortos.

Ali, naquele campo santo, passei minutos perdidos em minhas lembranças. Depositei flores no tampo daquela lápide quente. Orei pela alma dos que se foram.

Naquele sábado de finados passei o resto do dia me lembrando dos entes queridos. São tantos, tantas pessoas boas, que não me cabe enumerar o nome de todas elas.

Amanhã, dia de finados, novamente farei uma visita aos mortos. Todo dia de finados repito as minhas orações. Em honra e glória a todos eles. Pessoas queridas que Deus levou a viver em sua companhia. E lá de cima olham por nós.

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