Sob a densa cerração de uma saudade…

Ainda me lembro, tempos avoam. Era um dia como este. Uma névoa densa encobria a linha do horizonte.

Não me recordo bem quantos anos fazem. Parece que foi ontem.

A minha rocinha querida ainda não era banhada por uma represa.

Um corguinho atapetado por pedrinhas brancas era a nossa linha divisória. Nele nadavam lambarizinhos de rabo vermelho. Que quase não mordiscavam a isca. E como era difícil retirá-los da água.

Uma várzea verde dividia as nossas propriedades. Meu amigo Tião do Cervo era um amigo de verdade.

Ainda me lembro de sua pessoa afável. Sempre com um sorriso largo a enfeitar-lhe os lábios curtidos pelo sol. Uma enorme horta de couve era vista do meu lado. Era onde ele plantava verduras. Não para si mesmo. E sim para ofertar aos amigos que porventura em sua casa apareciam.

Anos se passaram. Meu amigo Tião foi chamado para plantar verduras junto ao Deus Pai. Creio, onde ele estiver, ainda mostra aos anjos aquele sorriso afável, aquela gentileza própria só dele.

Agora o sol brilha forte. Mais um dia de sol a brilhar. A chuva parece que vai dar tréguas. A neblina densa pouco a pouco se desfaz.

Um dia, quando a represa do funil ainda não existia, fui fazer uma visita de cortesia ao amigo Tião. Encontrei-o na sua horta de couve. Da terra ele retirava mandiocas macias, abobrinhas que desmanchariam na panela, couves verdinhas, quiabos os quais levei para meu lado de lá.

Foi ele quem me ajudou a ultrapassar aquele riachozinho que foi engolido pelas águas barrentas da represa do funil. Estava montado numa égua baia. Mansa como ela só.

Anos depois, quando o lago estava formado, novamente fiz o mesmo percurso.

Estava um dia como o de hoje. Mal se via a linha do horizonte.

Atravessei a lâmina d’água numa velha canoa. Não foi preciso remar muito. Em poucos minutos estava do outro lado da represa. Só que o amigo Tião não estava mais lá.

A velha horta de couve não mais existia. Em seu lugar um mato denso encobria quase tudo. Menos a saudade que sentia do amigo Tião.

De novo a cerração se formou. A minha visão se fez turva. Mal enxergava o outro lado da represa.

Com enorme cuidado fui remando, avistando ao longe a casa do amigo Tião.

Assim que aportei do meu lado, quando finquei os pés na terra, naquela pastaria verde, fui assaltado por uma saudade imensa. Não apenas do amigo Tião.

Bem como daqueles tempos bons, que não voltam mais.

Sob a densa cerração de uma saudade até hoje me lembro do velho Tião.

 

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