O “Sem Problema…”

Quem ainda não perdeu o sono, mercê de qualquer incômodo, que sempre nos assalta durante os dias?

Eu mesmo assim vivo. Qualquer coisinha me apoquenta. Se bem que durmo pouco. Acordo ao nascer do dia.

Daí a minha admiração por aqueles homens de mãos caludas. Nascidos e criados na roça. Que acordam ao cantar do galo. E dormem junto às galinhas.

Problemas existem para serem contornados. Se não resolvidos a contento, pelo menos que possam ser empurrados adiante, quando a ocasião permite. E se não que tal olvidá-los sine die. Pois, segundo me afiançou um compadre, aquele mesmo por quem tenho enorme simpatia, se existem problemas, é sinal que as soluções existem.

Um dia, como o de hoje, com o céu carrancudo, parece que vai chover no decorrer do dia, era um sábado de dezembro, fui fazer uma visitinha fugaz a este compadre que mora num lugar ermo e isolado aos olhos do mundo. Quem se perde na estrada com certeza vai parar ali. E volta pelo mesmo caminho. Tentando não errar de novo.

Encontrei o amigo perdido num lamaçal enorme. Havia chovido durante a noite.

Achei o Zé enfiado com lama até o pescoço. Ele estava com o trator atolado na subida daquele morro agudo. Por mais que tentasse nada podia fazer para conseguir desatolar as rodas de trás.

Tentei ajudá-lo naquela tarefa inglória.  E a máquina grunhia com porcos quando têm fome.

Ao final de algumas horas Zé desistiu de tentar fazer o trator desatolar daquela subida íngreme. Foi preciso uma junta de bois parrudos para trazer o trator de volta.

Quando, afinal, pude conversar com o amigo Zé ele ainda mostrava sinais de cansaço. Arfava a plenos pulmões. Um suor quente empapava a sua camisa.

“E aí, como vai a lida”? Perguntei naquele exato momento.

“Tudo vai bem. Apesar dos males que me afligem”.

A seguir descemos até sua casa. Era uma casinha modesta com jeito de uma choupana. Na sala acanhada fungava um fogão a lenha. No único quarto a cama ainda estava desarrumada.

Paramos um cadinho para prosear. Soube, pela boca do amigo Zé, que a sua saúde ainda estava em dia. Apesar de algumas doencinhas inerentes a idade velha. A urina claudicava para sair. Crises de asma faziam-no tossir.

Passamos horas naquela prosa boa. Soube por ele mesmo que o preço do leite não estava lá estas coisas. Que a roça de milho não deu espigas. Que a melhor vaca do curral amanheceu com as tetas inflamadas.

Zé convidou-me a um cafezinho magro. Não regateei ao seu amável convite.

Já era tarde da noite quando tive de ir embora.

Despedimo-nos já com saudades.

Agora, nesta manhã de uma quarta-feira, entregue aos meus parcos problemas, penso no amigo Zé. O mesmo que para ele problemas não existem. Mesmo que a vaca morra. Que a roça de milho não vingue. Que o trator enguice. Que o preço do leite empaque. Que a saúde não ande lá estas coisas.

Quem sou eu para me queixar de problemas? São tão poucos os que me afligem…

Quando eles me apoquentarem de novo vou fazer uma visita ao amigo Zé. Aquele a quem chamam de “Sem Problemas”. Quem sabe aprendo com ele mais uma lição de vida.

 

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