Encantos e desencantos de um velho

Hoje relutei em sair de casa.

Fazia frio. Céu cinzento, parecia que no decorrer do dia iria chover.

Mas, como sempre faço, embuti-me de coragem. Saltei da cama a hora de sempre.

Tomei uma ducha morna. Escovei os dentes. Penteei o que me resta de cabelos. Tomei minha Maltodextrina misturada ao leite e duas bananas, e aqui estou, nesta quarta-feira semimorta, a espera de dias melhores.

Estamos passando por dias difíceis. A tal pandemia tem esvaziado todos os setores da economia. Uma crise se alastra pelo mundo inteiro. Não sei o que nos reserva quando ela terminar.

Não me sinto velho. Apesar de contar com setenta anos. Tenho a mesma disposição e clarividência de outrora. Faço tudo que fazia dantes. Algumas coisas ainda melhores. Se duvidarem perguntem aqueles que me conhecem.

Anda desfruto de muitos encantos.

Apraz-me acordar todos os dias. A cama não me seduz. Assim como a noite me mete medo.

Amo o clarume do dia. A azulice do céu. O brilho amarelo do sol.

Encanto-me com o sorriso de uma criança. Dentro da ingenuidade que ela me enseja.

Da mesma forma encanto-me com a alegria que delas emana. Com aquela azáfama que elas me passam.

Ah!, se eu pudesse voltar aos verdes anos. Voltaria de bom grado. Mas não troco a experiência acumulada no decorrer do tempo pelo destempero que elas me ensinam.

Encanto-me, da mesma maneira, com a passarinhada avoando pelos céus de brigadeiro. A chuva mansa me faz pensar no quanto ela é importante para o homem do campo. Sem ela não existiriam colheitas.

Desencanto-me com a violência que nos dias de hoje predomina. Mortes, assaltos a mão armada, são fatos corriqueiros nas ruas das grandes cidades.

Encanto-me com a natureza em festa. Soberbamente depois de uma chuva criadeira.

Desencanto-me quando percebo pessoas ao relento. A miséria me faz pensar no quanto poderíamos mudar este mundo que nos cerca.

Encanto-me com quase tudo. E desencanto-me com poucas coisas.

Faz-me pensar, neste momento exato, nos desencantos por que tenho passado.

Encantei meus pais ao nascer.

Tempos depois, quando vi meus netos nascerem, foi um encanto ainda maior.

Ainda hoje, quando os tenho nos braços, aquelas figurinhas alegres, que de vez em quando choram, não existe encanto maior. Netos são filhos açucarados.

Pena que não posso cuidar sempre deles. Esta incumbência cabe aos pais.

Até quando, de quando em vez me pergunto, continuarei a me encantar ou desencantar com tantas coisas.

Espero, de coração aberto, até quando minha vida continuar.

O dia em que parar de me encantar, ou ao revés, pra que continuar a viver?

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