Já passei por dias piores

Tempos difíceis estes que estamos passando.

A escassez de dinheiro, o isolamento compulsório, o número cada vez mais crescente de pessoas infectadas pela tal virose, mortes prematuras são anunciadas a cada hora, hospitais lotados, médicos atordoados, e, sobretudo, a falta de perspectiva de quando tudo vai terminar.

Não vejo a hora de sair às ruas, caminhando livre e solto, sem usar máscaras, poder abraçar os amigos, ver o comércio voltar aos tempos de outrora, sem medo de fechar as portas para sempre.

Hão de concordar comigo. Em minha vida todinha não me lembro de um período assaz complicado. Tenho receio de não voltarmos aos tempos de dantes. E se o fizermos não sei o que será. Ou quando vai ser.

Mas chega de reclamar.

Assim o fez um amigo.

Zé de Bem com a Vida, caboclo de mãos caludas, tez tostada pelo sol, nunca o vi se queixando da vida. Ao revés. Ele sorria da própria desgraça. Bem humorado sempre o via sorrindo. Mesmo a mercê das maiores dificuldades.

Naquele dia de sol, quente, mesmo em se tratando do inverno, era um sábado, quando passei por ele, de volta da minha rocinha, parei um cadinho para um dedo de prosa.

“Zé, como vai? A plantação vai bem? E as vacas, tem dado leite a contento? E a porcada, sempre faminta, o preço tem sido conveniente”?

No que ele me respondeu, com um largo sorriso nos lábios: “quer saber? Nem tudo vai bem. A melhor vaca que eu tinha acabou morrendo atolada no brejo. A roça de milho não vingou. A chuva não veio na hora certa. E a minha porquinha querida, durante a parição, não conseguiu expelir as crias. Acabou morrendo ela e todos os porquinhos. E nada pude fazer para mudar o destino”.

Acabei por me lastimar junto dele. Tentei confortá-lo naquele momento difícil.

Passamos horas juntos comentando sobre a vida naqueles tempos inglórios. Sobre o mundo que nos cerca. Sobre a tal pandemia que tem nos tirado o sono.

Ao me despedir do amigo, já era quase hora do almoço, antes de apertar-lhe a mão, ele veio com esta admoestação.

“Quer mesmo saber? Nem tudo na vida são apenas flores. Existem espinhos e dissabores. Neste momento tão grave, quando tudo vai mal, consigo ver uma luz ao fim do túnel. Neste sábado ganhei mais um netinho. E que sorriso doce ele tem. Apesar de tudo de ruim que anda acontecendo uma vida nova começa. Por certo ele vai ter mais sorte que a gente. Já passei por tempos piores. E aqui estou. Na esperança que tudo há de melhorar”.

De fato. No dia seguinte, era um domingo, tive noticias que a tal doença foi erradicada de todo o território nacional. Não é que o amigo Zé tinha razão?

Já passamos por tempos ruins. Mas nem tudo que é ruim dura para sempre.

É o que espero. Inspirado naquele amigo. O qual sempre o vejo sorrindo. Mesmo ao sabor das intempéries da vida.

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