Faz pouco mais de um ano

Contam-se os anos e não se descontam os desenganos.

Pelo menos assim eu pensava.

Tudo corria bem. O céu azul, o sol a brilhar, nenhum sinal de chuva no alto.

Acordei a mesma hora de sempre. Era antes das seis. Não foi uma noite bem dormida.

Depois de certa idade tenho dormido pouco. Algumas preocupações povoam-me a cabeça.

Algumas delas nomeio: como vai estar a saúde. Já que passei dos setenta. O que há de ser dos meus netos. O futuro anda incerto. E a minha família. Por quanto tempo irei desfrutar deste agradável convívio? E a tal pandemia? Por quanto tempo iremos tolerar este isolamento? E quantos mais irão perder a vida durante esta enfermidade cruel?

São tantos motivos para perder o sono que a lista não para por aí. A crise econômica tem sido outra razão para me tirar do sério. Lojas vazias, comerciantes passando o ponto, filas enormes a porta dos bancos, pessoas desarvoradas são vistas pelas ruas a cata do pão nosso de cada dia.

O mundo inteiro atravessa uma crise sem precedentes. E nosso país não foge a regra.

Faz um ano que nem pensava que tudo isso iria acontecer. Dormia tranquilo. Meu travesseiro nem mostrava sinais de insônia. A cama amanhecia arrumadinha. E eu acordava depois de uma noite bem dormida.

Naqueles tempos bons festejava o aniversário de um neto. Outros dois brincavam sem sequer imaginar que a tal pandemia iria ter aquele desfecho imprevisível.

Faz pouco mais de um ano que estava por aqui mesmo. Nesta sala ampla. Olhando o céu azul, o sol a brilhar, nenhuma nuvem a tapar a boca do sol.

Nem de longe pensava nesta virose importada de longe. No estrago que ela tem feito por toda parte.

Faz um ano, se tanto, antes de completar setenta, em dezembro último, nunca iria pensar no quanto famílias inteiras passariam por tantas dificuldades. A espera do auxilio emergencial. Pais desesperados sem poder pagar as prestações vencidas. Aluguéis atrasados. Contas a perderem de vista no tampo da mesa.

Faz um ano apenas que eu, nesta mesma mesa, retratava o cotidiano, com tintas mais amenas. Escrevia sobre tudo. Menos sobre este tema que parece não ter fim. Apenas começo.

Faz um ano, se tanto, que recostado a cama dormia um sono sossegado. Acordava bem disposto. Sem sequer imaginar que chegaríamos a esta situação aflitiva. Que tem durado mais que o desejado.

Faz um ano que podia ir à academia. Agora elas estão de portas fechadas. Sem previsão de abertura.

Faz um ano apenas que os consultórios estavam repletos de pacientes. Nos dias de agora eles se mostram vazios.

Faz um ano, se bem me lembro, pessoas transitavam pelas ruas de caras descobertas. Já hoje as máscaras escondem a verdadeira identidade.

Faz um ano, se tanto, pela televisão se podia assistir a programas menos indigestos. Já hoje só se fala em vítimas do coronavirus.

Um ano se passou. E eu aqui estou, nesta manhã linda, em pleno inverno, com a temperatura em ascensão, a espera de dias melhores.

Que por certo virão. Antes que mais um ano se complete.

Um ano passa depressa. O tempo avoa. Faz quase um ano que completei meus setenta. Espero que meus setenta e um seja coroado de notícias boas. As ruins deixarei pra trás.

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