Cansei

Toda manhã acordo sempre a mesma hora.

Por volta das seis, um cadinho antes das sete.

Não tenho o costume de ficar na cama mais do que nesta hora. Ela me expulsa com um sonoro bom dia.

Lavo o rosto nágua fria. Evito olhar no espelho. Pois ele, desagradável e inoportuno alcagueta, mostra, sem exageros, os sinais indeléveis de que a velhice chegou.

Em absoluto não me importam as suas inconfidências. A flacidez da pele, as cãs que me enxovalham as têmporas, o olhar inexpressivo, um tanto quanto fatigado, o sorriso de ancião, tudo isso me faz pensar nos anos. São sinais indeléveis de que já estou  no limiar da existência. Quantos anos mais me restam? Nem desejo consultar as previsões. E se aquela cigana, que um dia vaticinou que eu poderia morrer no adentrar de outro ano, porventura acertasse? Não estaria aqui para comprovar.

Confesso certo enfado ao acordar sempre a  mesma hora. A rotina quase sempre se torna enfadonha.

Fazer  tudo sempre igual não deixa de ser um incômodo mesmo ao mais acomodado  cidadão.

Daí o meu cansaço. Daí o meu desalento.

Cansei de assistir a cada dia a mesma ladainha costumeira. Mortes, pessoas confinadas, roubalheiras, falcatruas, bandalheiras, que atravessam país afora.

Melhor seria se tudo isso não passasse de invencionices de uma mídia sedenta de notícias ruins. As boas ela sonega. Como se as atitudes honestas e de boa índole fossem inverdades inventadas.

Cansei de tanto constatar o quanto a nossa gente passa por dificuldades. Melhor seria se todo mundo abraçasse a felicidade em cada esquina. E não ter de encontrar pessoas ao desabrigo. Esmolando migalhas. Estendendo as mãos em busca de auxílio.

Cansei de ouvir falar de mortes pela tal pandemia. Não seria um exagero?

Cansei de comprovar o quanto  a distribuição de renda é desigual neste país continental. Ricos cada vez  opulentos. Os miseráveis se distribuem pelos cortiços em áreas de risco sujeitas a desabamentos e perdas de vidas preciosas.

Estou cansado de tanto ouvir falar em futebol. Verdadeiro ópio nacional. Um circo montado na intenção nada louvável de desviar a atenção da verdadeira situação de miséria que grassa pelas terras brasileiras.

Cansei de assistir, sem nada poder fazer, pela situação calamitosa por que passa a saúde pública do Brasil.  Tratamentos adiados sine die. Pacientes impacientes a espera de leitos em hospitais.

Cansei de ver crianças dentro de casa. Sem nada pode fazer. Sem escola. Sem educação. Sem ao menos poder brincar em áreas verdes. Respirando o ar puro da manhã.

Cansei de ouvir falar em doenças incuráveis. Em pacientes desconsolados. Em depressão. Em ansiedade.  Em medicamentos de tarja preta. Como se fossem a solução para os conflitos da mente enferma. Que mais e mais se tornam prevalentes em nossa rotina diária.

Estou cansado de quase tudo. Ao mesmo tempo de nada.

Melhor seria se este cansaço fosse mais uma ilusão minha. Pena que não é. É a mais pura verdade.

 

 

 

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