“Deixa o tempo melhorar, doutor.”

Sempre fiz da pressa, do afogadilho, um modo de vida.

Não consigo ficar na cama além das entrelinhas. Trocando em miúdos: não consigo dormir além das cinco da manhã.

Sou páreo duro ao padeiro. Comparo-me ao retireiro. Que antes das cinco já se põe de pé. Já que as vacas baldeiras já estão com as tetas derramando leite. Ansiosas a beira da porteira do curral. Mugindo de saudade de suas crias. Aqueles lindos bezerrinhos esfomeados, presos numa gaiola, apartados de suas mães.

Acredito que a melhor hora do dia sejam as manhãs bem cedo. Sou prematuro desde o nascimento. Nasci de sete meses. Minha saudosa mãe sabe melhor do que eu.

É nesta hora temprana que a inspiração emana de dentro do meu eu. Nascem textos como nasce a chuva que agora cai. Com a mesma fecundidade da terra após uma chuvinha benfazeja. Que recebe as sementes na hora certa do plantio.

Não tenho como domar a ansiedade. Ela está arraigada dentro de mim como uma raiz bem profunda.

Sofro por isso mesmo. Não sei esperar. Chego antes do compromisso marcado. Sofro a mercê da sensibilidade que me domina.

Tenho um vizinho de pasto, Seu Gabriel, nos seus quase noventa anos, do qual tento tirar um cadinho de sua tranquilidade.

Quando chego a minha rocinha prejuizenta, aos finais de semana, encontro Seu Gabriel assentado nos seus calcanhares. Fumando um paiero apagado.

Ele é a imagem fidedigna da calma. Daí a sua longevidade.

Num dos nossos encontros, era num sábado à tarde, ao parar um cadinho, já que estava com pressa, ele me olhou com o rabo de olho, e me intimou que eu ficasse um tempinho para trocarmos um dedo de prosa.

Assim o fiz. Mesmo contrariado.

Tentei explicar que na cidade um mundo inteiro de compromissos me atazanavam. Tinha uma operação a efetuar. Pacientes, agendados previamente, decerto me esperavam no hospital. Tinha pressa. Como sempre.

Nuvens carregadas encobriam a azulice do céu. Mais tarde iria chover.

Naquele interregno de tempo Seu Gabriel me fez esta confidência. A qual transcrevo tal e qual dele escutei.

“Quer saber”? Meu bom doutor. Já tive pressa. Acordava cedo. Antes das cinco da manhã já estava de enxada em punho. Era um enxadachim de mancheia. Carpia pastos com a voracidade de formiga cortadeira. Tirava leite sem ordenhadeira. Minhas vacas eram mestiças. Cada uma delas dava mais de trinta litros em cada teta. E não era mentira não. A partir de certa idade conseguir botar um freio no meu modo de vida. Compreendi que para ser feliz basta muito pouco. Ter saúde é uma delas. E a pressa, a ansiedade, só não faz bem a alma como deixa o corpo em pandarecos. Aos setenta, na sua idade, parei de me preocupar em ganhar dinheiro. Certo que construí muito pouco. Tenho casa pra morar. Este pedaço de chão para trabalhar. Nada me falta. Meus filhos me deram netos. Eles que se cuidem. Tenho mais é que pensar em mim. Não sei quantos anos me restam. Daí o meu sossego. Espero viver muitos anos mais.”

Lá no alto a chuva ameaçava desabar. E a pressa ainda me consumia.

Antes de me despedir do amigo Gabriel, na correria de sempre, dele ouvi esta frase que me fez pensar: “deixe o tempo melhorar. Um dia você se vai. E a vida continua. Na mesma marcha de sempre”.

Não é que o conselho do amigo fez efeito? Consegui dominar um cadinho a minha ansiedade. Ao invés de acordar antes da cinco fico na cama ate meia hora mais tarde.

Deixe uma resposta