“Vovô, já passou”!

Sempre me meteu medo o fato de um dia ficar velho.

Em criança, um menino com a cabecinha recheada de pensamentos que vagueavam titubeantes, cada um mais esdrúxulo que o outro, ao ver um sapato velho ser jogado fora, já que ele não dava meia-sola, imaginava que todo o velho teria o mesmo destino.

Uma vez crescidinho, não tanto como desejaria, ao ver um ancião ser despejado numa casa de idosos, pensava que todos nós iriamos ter o mesmo final infeliz.

Já hoje, ao ver o tempo passar, a velhice chegar, não sinto tanto o peso dos anos.

Ficar velho não tem tanta diferença de quando mais jovens. Principalmente quando se tem saúde. A clarividência ainda faz parte da gente. E o desejo de viver ainda se mostra arraigado nas profundezas de nossa alma.

Ser velho pode ser padecer no paraíso. Não aquele pra onde todos nós iremos. Mais cedo ou no mais tardar da vida. Naquele lugar encantado, pra muitos desconhecidos, na manhã de hoje, um céu emburrado, nuvens cinzentas escondem a azulice do céu.

O velho, melhor dizer idoso, sênior, como queiram, deveria desfrutar de certos privilégios.

Não ter de enfrentar filas pecaminosas. Gozar de transporte gratuito. Pagar meia entrada em estabelecimentos como cinemas, museus, e qualquer lugar onde deveria desfrutar do merecido descanso. E aculturar-se. Mas nem sempre é assim que acontece. Quantas vezes assisti a um senhor idoso de pé no transporte coletivo. Em seu lugar uma linda mocinha, ouvidos moucos, escutava num fone de ouvido uma música qualquer. E o pobre velho oscilava entre um cochilo e outro. Mal se aguentando em pé.

Ontem assoprei mais uma velinha num bolo feito às pressas por minha querida filha. Era um bolo de chocolate com uma cobertura de coco. Na cerimônia, pouco concorrida, meus dois netinhos eram os convidados de honra.

Dom, o mais espertinho, glutão como ele só, antes que eu provasse o bolo subiu no tampo da mesa. Foi preciso afastá-lo daquela guloseima. Antes que ele caísse de carinha gulosa por cima da glace do bolo.

Cantado o parabéns, que não sei se foi pra mim ou para eles, coube ao Theo falar algumas palavras em honra à idade do avô.

Sempre tive medo do que me reservaria a velhice. Seria atirado fora? Como um sapato velho? Ou, quando não tivesse mais serventia, na decrepitude da idade provecta, estaria condenado a viver num asilo de idosos?

Foi quando o espertinho Theo, com a sua carinha de anjo, acabou me convencendo a não ter medo da velhice.

Foi exatamente assim que ele disse. Sem tirar nem depor contra mim: “vovô. Não tenha medo. Já passou”.

A partir de então acabei mais tranquilo. Ficar velho não é tão ruim assim.

Hoje acordei um ano mais velho. E já passou o medo de envelhecer.

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