E eu com meus problemas…

Nestes dias de inverno, com o frio que tem feito, tenho visto, pela televisão, ou aqui mesmo em nossa cidade, pessoas dormindo o relento, enroladas em cobertores surrados, passando frio, tentando enganar a fome, alimentando-se do resto das sobras, do que lhe dão.

Nunca vi tanta miséria esparramada país afora. Por sorte o brasileiro é solidário. Não nega o pão a quem tem fome. Nem ao menos uma esmola que lhe sobra no bolso.

Nestes dias frios acordo sempre ao nascer do sol. Tomo um banho cálido. E deixo meu apartamento, logo defronte ao meu consultório, quase sempre antes das seis e meia.

Dormindo debaixo de uma marquise mora um casal. Ainda jovens. Percebo pelos seus corpos recém-descobertos que suas idades não passam de trintanos.

Não são de aqui. Vieram de outras paragens. Por certo mais alguns desempregados. Engrossando as estatísticas que são noticiadas pela televisão.

Não tive como parar para uma conversa breve. Noutro dia talvez. Quem sabe poderei a ajudá-los a minimizar seus problemas. Já que os meus são de fácil solução.

Quem não tem problemas não viveu. Não colecionou desafetos ou não angariou simpatia.

Eu mesmo coleciono uma penquinha de adversidades.

Como pagar os boletos, que não são poucos, nestes tempos de crise manifesta a cada hora. Como driblar a crise que se arrasta a cada dia. Como sair da mesmice do cotidiano. Como enfrentar as doenças dos outros se nem sei como controlar as minhas. Como me afastar desta pandemia se não sei ficar em casa.

Nesta sexta-feira de julho, mês quase findo, amanhã, sábado, outro final de semana que se anuncia, deparei-me com aquele casal acordando debaixo de uma marquise.

Não tive como comparar os problemas que os afligem com a magnitude dos meus. Os deles não são sanáveis como penso serem os meus. Felizmente tenho um teto onde me agasalhar nestes dias de inverno. Tenho uma renda compatível para não passar necessidades maiores. Minhas contas, mesmo que atrasem, são pagas noutro dia. Minhas dificuldades são bem menores que as deles.

Nesta manhã iluminada de sexta-feira, um dia lindo como amanheceu, não tive como não comparar os meus impasses com os menos aquinhoados pela sorte. Tenho tudo. Mais do que preciso. Uma família, tanto aquela me antecedeu, quanto esta que ajudei a constituir, ajudam-me a passar os dias. Sou feliz ao lado dos meus netinhos. São três. Todos machinhos. Quem sabe uma menininha me ajudaria a ser ainda mais feliz? Seria impossível ser mais ainda.

Neste mundo tão díspare os apuros variam de intensidade. Existem pessoas que não enxergam além do próprio nariz. Não sentem o odor nauseabundo da miséria que campeia aos quatro cantos. Não conhecem o outro lado do mundo. Vivem numa redoma de cristal. Alheios à pobreza, a falta do mínimo necessário para uma subsistência digna. A margem de uma sociedade desigual.

Nesta manhã de sexta-feira deparei-me com aquele casal dormindo debaixo de uma marquise. Por certo eles colecionam apuros. Quem não os têm?

Eu mesmo penso nos meus. Mas são ínfimos, desprezíveis, frente à maioria dos demais. Felizmente só tenho a agradecer. E não pensar tanto nas minhas adversidades. E sim buscar soluções para as agruras dos outros. Tão próximos que deveriam ser. No entanto cada vez mais se distanciam da felicidade que tento conquistar pra mim.

 

 

 

 

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