As preocupações de Zé Mané

Desde quando cedo, jovem ainda, apoquentava-me o que seria na vida.

Foi quando me decidi por ser médico.

A partir de então outra decisão tomava-me conta das dúvidas.

Qual especialidade iria trilhar? Foi quando uma pedrinha desceu ureter afora. Foi aí que a Urologia me seduziu.

Uma vez feito especialista precisava me aperfeiçoar. Depois de alguns anos na capital mineira, com o título de urologista nas mãos, passar uns tempos na capital espanhola, a linda Madri, foi outra opção acertada.

Aqui cheguei em meados de um mil novecentos e setenta e sete. Outras preocupações me assediavam os miolos. Ganhar dinheiro, conquistar a confiança dos meus pacientes, fazê-los felizes depois das cirurgias bem indicadas, eram outras preocupações naqueles idos tempos de antão.

A partir de então, com alguns sonhos realizados, faltavam muitos, já casado, com dois filhotes a dependerem de mim, optei por adquirir um palmo de chão.

Pensava que todo médico poderia ser fazendeiro. Mal sabia eu que vaca não dá leite. É preciso tirar. E a produção leiteira requer, além de esforço e dedicação, mãos hábeis para tratar da vacada, já que o dono não vai estar ali todos os dias. E precisa de um retireiro acostumado ao oficio para se dedicar de corpo inteiro àquelas ruminantes que ruminam sem pensar na vida.

Foi aí que aprendi que não é fácil viver às custas da produção leiteira. É um trabalho insano. Uma escravidão ficar grudado às tetas das vacas, faça chuva ou incendeie o sol.

A partir de aí minhas preocupações mudaram. Com os filhos encaminhados precisava pensar em mim. Já que havia deixado a juventude passar. Apesar de não me sentir velho os anos dizem o contrário.

Tenho um vizinho de cercas, Seu Mané, com quem aprendo muito.

Zé Mané, no alto dos seus muitos anos, apesar de pouco ter frequentado os bancos escolares, tem a sabedoria da experiência. Aprendeu, com as vacas, que elas não esquentam a cabeça. Mesmo que lhes falte o trato na hora certa elas bem sabem que alguém não vai deixá-las morrer de fome. Aprendeu ainda que os canarinhos da terra ciscam o esterco de curral não para deixá-lo limpo. E sim para procurar minhoquinhas para se alimentarem.

Seu Zé Mané, sempre que o encontro, aos finais de tarde, com a missão cumprida, já que ele dorme cedo, paro um cadinho para um dedo de prosa.

Comentamos sobre a seca que se alastra neste inverno frio. Sobre o preço do leite que anda pelas alturas. Sobre a geada que caiu a noite passada queimando os cafezais.

Naquele sábado passado, quando por ele passei, encontrei-o prestes a dormir. Assentado àquela laje de pedra marmórea, que ele mesmo ali deixou, como banco, Seu Zé Mané quase fechava os olhos de sono.

Parei a caminhonetinha defronte a ele. Fiz, com o celular, uma fotografia de nós dois para lembrar daquele dia. Foi quando ele sorriu.

Iniciei a prosa falando da pandemia. Das mortes que ela tem causado. Do sofrimento que a população tem passado.

Depois de alguns instantes de prosa, afinal o amigo Zé Mané, com a tranquilidade que emana daquela pessoa, assim comentou sobre aquela moléstia que tanto nos angustia.

“Quer mesmo saber? Não tenho medo de morrer da tal pandemia. Muito menos a fome me apoquenta. Já fui vacinado por duas vezes. O melhor remédio pra mim em verdade é vacina no braço. Da mesma maneira que já vivi tantos anos jamais precisei me internar num hospital. Tenho saúde a dar de graça. O que me mete medo sim é a saúde mental. Para esta não existe vacina. Muito menos medicamento que faz efeito. Se a tal doença da moda me pegar de repente, logo cuido de me curar. Bem sei que a hora da gente um dia vai chegar. Mas as doenças da mente estas sim me intimidam. Tenho receio, sim, de que algum dia vou ter de tomar aqueles remedinhos de tarja preta. Não desejo nunca ficar dependente. Dependo sim, da qualidade da vida que ainda vou viver. No dia em que tiver de morrer, que seja de repente, durante o sono, na cama que escolhi. Na hora em que o pai do céu decidir”.

Em verdade as preocupações do amigo Zé Mané se confundem com as minhas.

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