A copa do mundo do Tom Zé

Do lado de fora da casa os fogos pipocaram numa azáfama ensurdecedora.

No céu escuro da noite riscos precedidos por estrondos mais pareciam fogos de artificio.

Chovera a noite anterior.

O chão barrento. O esterco ensacado parecia estar perdido já que a sacaria estava rota pelas mordidas de ratazanas gordas.

Tom Zé, garotinho nascido e espichado por aquelas bandas assustava-se com tamanho ruído.

Em sua vidinha curta, contava com apenas sete anos, jamais ouvira tamanho alarido.

Os pais não lhe davam descanso. Desde o ano passado Tonzinho tinha, por obrigação, já que a escolinha onde estudou até os quatro anos se mudou pra cidade, de ajudar o pai nas tarefas áridas do cotidiano. E o infeliz garotinho não tinha como ir à escola. Já que a cidade mais próxima distava léguas e léguas de distância.

Aos doze anos, completos naquele dois mil e vinte e dois, ano da copa do mundo de futebol. Tom já era moço feito. De um tamanhão equivalente a um cavalo nada nanico.

Semi alfabetizado. Sem nada entender de tabuada. Tom seria mais um analfabeto total não fosse a ajuda de uma tia torta.

Dona Josefa nutria pelo rapazola um sentimento diferente. Não sabia se aquilo era amor ou paixão. Mas nunca se declarou completamente. Já que Tom lhe era indiferente aos olhares cobiçosos que Dona Josefa em sua direção lançava.

Também pudera. Tom tinha como apetrechos, não reconditamente encobertos, um par de pernas grossas na medida certa para um envolvimento na cintura no ato de fazer amor. Olhos de um azul piscina limpíssima de tanto cloro. De arder os olhos. Lábios carnudos e rosados pelo sol. No entanto a sedução que a tia. Que na verdade era torta. Não bem aparentada. A ele desferia não lhe dizia respeito.

Tom cresceu mais que uma bananeira desfolhada pelo vento. Atingiu quase dois metros. Dono de uma saúde que jamais pensaria enferrujar. Até os vinte e tantos anos jamais havia caído no leito. E era pau pra toda obra. Era meia colher de pedreiro. Entendia de carpintaria. Era bom no lombo de um cavalo ainda não domesticado. E só de lá era cuspido fora da sela se o tal equino em verdade fosse um campeão de rodeio. Indomável. Matreiro.

Acontece que Tom em verdade era um azarado. Raras vezes o vi sem se queixar da vida.

Ora dizia que sentia uma dor na cacunda. Ora era na bunda. Mas nunca o vi de sorriso inundando sua linda dentição. O que Tom tinha de melhor era a disponibilidade. Desconheço-lhe um não ou um faço depois.

Acontece, com tais atributos:  força, saúde e virilidade, Tom não tinha sorte com mulheres. A frente delas sentia-se incapaz de prumar o pinto. E ele desfalecia sem acordar.

Daí a solteirice em que o encontrei. Aos trintanos Tom se transformou num ermitão.

Mas a solidão não o incomodava. Em absoluto. Blasfemava aos seus botões.

Vivendo naquela casa antiga. Quase em ruínas. Tom se fazia acompanhar de morcegos e baratas. Fora os escorpiões.

Televisão nunca quis ter. Uma velha caixa de abelhas, como ele chamava a tv, era uma coisa nem loisa que indeferia. Preferia uma caixinha falante. Que ele apelidou de rádio.

Mesmo assim movido à pilha.

Eis que se aproximava a copa do mundo de futebol. E Tom, ao futebol preferia outro tipo de pelada. As fêmeas bundudas e peitudas.

E o primeiro jogo da seleção canarinho seria numa quinta-feira. Dia vinte e quatro de novembro.

E como não tinha tv Tom acabou recorrendo ao velho radinho de pilha. Só que ele emudeceu exatamente por um singelo detalhe. A pilha gastou.

E Tom Zé, ávido por assistir ao jogo de Neymar e outros craques, foi a casa de um vizinho perto.

Mas chovia a hora do jogo. E a sua motoca estava com os pneus carecas. Como uma bola de bilhar.

E ela derrapou no barro escorregadio e foi ao chão. Tom foi de barriga na estrada cascalhenta.

E que dor sentiu na costela direita. Foi como se um boxeador experiente tivesse acertado um murro bem dado no seu estômago vazio.

Não carece dizer que a seleção brasileira venceu, sem convencer, pelo magro placar de dois a zero.

E Tom não teve o prazer de ver os gols da seleção.

Pois seu final de história foi passado num leito de hospital via SUS.  Com duas pernas engessadas. O tórax imobilizado por um faixa dura. E em dieta restrita.

A copa do Tom foi passada na cozinha. Com as panelas fumegando na trempe do fogão a lenha. Tendo por companhia a dona Josefa. Que se tornou sua quenga.

 

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