Não vejo a hora

Mera falácia minha.

A primeira coisa que faço. Quando abro os olhos. Em plena madrugada. É olhar as horas. Dizer que não vejo a hora é mais uma invencionice minha. Já que todos somos reféns das horas.

Temos hora pra tudo.

Nascemos sem saber ainda olhar as horas. Crescemos aprendendo olhar as horas. Envelhecemos e não desaprendemos a olhar as horas.

Uma vez aposentados quem diz que nos livramos das horas?

A cada hora temos de tomar remédio contra a pressão alta. A diabetes nos importuna dizendo cuidado com o açúcar em demasia. E mesmo reféns do Alzheimer. Esquecidos que nos tornamos. Alguém sempre nos lembra de quem fomos. Mas naquela idade nada mais importa. Esperamos que logo nos abram  a porta do céu e nos convide para ali ficarmos indefinidamente.

Antes, crianças ainda, não víamos a hora de chegar o dia de Natal. Debaixo daquele pinheirinho feericamente iluminado caixas coloridas guardavam presentes a nós endereçados. E quando aquela noite chegava mal pregávamos nossos olhinhos. E as horas passavam frenéticas. Sem controle olhávamos os ponteiros dos relógios e nada podíamos fazer para deter-lhes o ímpeto de irem adiante.

Uma vez jovens feitos não víamos a hora de levar aquela mocinha dita pudica ao cinema na matinê. E descobríamos que de pudica ela nada tinha. Pois naquela seção noturna descobri  que elazinha havia se deitado. Não para dormir. Com metade da turma de meus coleguinhas. E eu, ingenuamente, era do décimo terceiro e não seria o derradeiro.

Uma vez crescidinho não via a hora de chegar dezembro. Naquele mês final de ano duas datas se juntavam  bem aproximadas. Dia sete é meu aniversario. E vinte e quatro o Natal chegava. E não via a hora da chegada de Papai Noel. O bom velhinho em quem acreditava.

Embora não visse a hora de chegar as férias contava os dias para as aulas terminarem. E exibia todo orgulhoso meu boletim ao meu pai. Todo cheio de notas altas. E se eu não entrasse no quadro de honra meu saudoso pai não me incriminava. Pedia que eu me esforçasse mais no próximo ano.

Agora, que a idade já me recomenda prudência. Embora me sinta tal e qual um menininho de antão. Não tenho como me esquivar das horas. Elas passam. Os anos escapam por entre meus dedos. Logo logo não estarei mais aqui. Refém das horas que passam.

Espero, em outra vida, que não veja as horas passarem. O tempo ruminar contra mim. A idade avançar. A morte chegar. Já que ela já chegou a horas idas.

Penso não viver em função das horas. Mas como deter a marcha do tempo? Como pedir que ele dê um tempinho a mais pra mim. Que eu possa sobreviver à margem das horas. Se eu só sei que antes era cinco e meia. Agora quase meia hora se foi.

Não vejo a hora de chegar a hora do almoço. Ainda faltam mais que algumas horas. E como as horas passam fugazes como as folhas mortas de outono. E  me encontro no outono inverno de minha vida.

A espera que as horas passem. Velozes, incontroláveis, fugazes como a vida se esvai.

Quando nos vemos no espelho não temos mais vinte anos. Os dez ficaram pra trás. O que dizer dos trinta?

Uma vez chegado aos mais de setenta o que pediria às horas? Calma. Paciência. Menos sofreguidão.

Não vejo a hora de deter as horas. Retirar a pilha do relógio daqui de frente. Pena. Não é só esse relógio que me vem ao pensamento. São muitos indicadores de horas. Horas perdidas nas minhas memórias. São tantas que acabei perdendo a hora de ir embora.

 

 

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