Palavra de muitos significados. Roça pode ser interpretada como um terreno amplo que abrange desde a atividade de roçar, passando por terrenos cultiváveis, indo até a zona rural e a pequena propriedade agrícola.
Pra mim é uma fazendinha pequenininha. Onde a vaca deita e deixa o rabo de fora da cerca de divisa com outro compadre. Que se o tirarem de lá por certo ele não vai se adaptar a vida da cidade. Pra onde ele vai somente em extrema precisão. Na intenção de comprar mantimentos que ele não produz. Ou então para ver como anda sua namoradinha. Que de vez em quando o visita. Mas moça da cidade não tem o costume de viver entre porcos e galinhas. Ou pra ela, mulher, mesmo sendo prendada. Gabaritada a fazer comida boa, não tem futuro. Mesmo juntando os panos com um fazendeiro. Que a pode renegar e trocar por uma vaca que enche dois baldes de leite branquinho. Pra mim chamar alguém de vaca não se trata de nenhuma ofensa. E sim um sonoro e grande encômio.
Quando aqui cheguei. De malas prontas prontinho a exercer a profissão de médico. Inspirando-me na vida de alguns colegas fazendeiros. Quando consegui juntar alguns trocados comprei um pedaço de pasto sujo.
Na compra desfiz-me de um carro semi novo. Tirei do banco a poupança da minha mulher. Não carece dizer que foi a primeira manta que levei. A tal rocinha valia bem menos do que paguei. Mas acabei não quiabando. Quem não gosta de quiabo misturado a um frango caipira me contradiga. E não diga que não aprecia. Como eu a escrever.
Aquela rocinha quase me fez perder o resto de juízo que ainda tinha.
Levava, nos mais de trintanos em que me meti a tirador de leite, na caçamba da minha caminhonete. Sacos e sacos de ração a dar as vacas. Fora os medicamentos e adubos de preços nada convidativos. E trazia esterco curtido e carrapatos na minha pele branquinha. Mas nada me fazia desistir do meu sonho. De ser fazendeiro do asfalto.
E a minha roça cada vez mais me atazanava. Acumulava prejuízos em riba de dívidas. Até que um dia acabei escutando o conselho de um colega mais experiente.
“Paulo. Sei que você gosta muito de roça. Não de roçar pastos, pois sei que não tens a habilidade com roçadeiras. Mas tirar leite só da lucro aos olhos do dono. Tem de morar ali. Retiro não tem dias santos nem feriados. Por que não aluga sua rocinha a quem entende de vacas e suas crias”?
Assim o fiz.
No entanto dos entretantos. Para não me afastar por completo da minha amada rocinha prejuizenta. Assim que passei o timão das minhas vacas a um amigo que sabe a razão de o leite ser branquinho mesmo saído das tetas de uma vaca pretinha. E conhece de cor e de salto alto a época melhor para o plantio da roça de milho. E o porquê de tanta porcariada que a porca capada não mais da cio. Acabei construindo uma casa beira represa. Pra onde vou aos finais de semana para não perder o costume de ser roceiro.
Mas, se pensam que a verdadeira roça é aquilo se enganam quadradamente.
Roça pra ser roça tem de ter galinhas ciscando no terreiro. Tem de ter um corguinho nos fundos da casinha tosca onde mora um carneiro. Não esse lanudo. Produtor de lã e carne. Que berra e dizem balir por amar demais a carneira. E sim uma maquininha que faz tlec tlec e joga água limpinha na caixa d’água postada por cima da mesma casinha.
Roça pra ser rocinha, como antes era a minha. Não precisa dar lucro. Basta que não dê prejuízo. E sim satisfação de trazer de lá causos que encham meus livros de pura ilusão de ter umazinha.
Roça pra ser chamada de tal. Deve ter jabuticabeiras. Um pomar cheinho de frutas docinhas. Uma horta de couve onde beterrabas vermelhinhas disputam os canteiros com cenouras que desmancham na boca sem ser preciso levá-las a panela.
Uma roça que se preze deve ter um laguinho na porta da casa. Onde lambarizinhos de rabinho vermelho não fujam do anzol. Onde garças branquinhas olham com olhos de gula os tais peixinhos. Que ariscos nadam pra longe dos seus bicos afiados.
Uma rocinha que recebe esse nomezinho diminutivo deve ter vacas mestiças. As de puro sangue dão mais leite. Mas não resistem à entressafra. Acabam, na seca, servindo de pasto aos urubus. E como é gostoso, ao final da tarde, quase morta, com o sol prestes a se deitar com a lua, ver as vacas em fila indiana, indo ao pasto, despedindo-se das suas crias, que mugem de saudade de suas mãezinhas.
Roça, para receber esse elogio, deve ter canarinhos da terra ciscando o esterco seco do curral. Ou até mesmo os joões de barro, hábeis construtores, fazendo suas casinhas num galho seguro de uma árvore de rica sombra. Com a portinha edificada justamente onde o sol se esconde e a chuva não entra. Na intenção louvável de proteger seus filhotes.
Uma roça que se diz assim deve ter sossego. Um fogão a lenha onde as brasas ainda crepitam pela manhã. Onde o café pode ser requentado sem ser preciso fogão à gás.
Uma roça de verdade deve ter sapos a coacharem naquele mesmo laguinho. Naquela orquestra magnífica com os jacus piando.
Uma rocinha, para ser chamada desse jeitinho, deve ser igualzinha aquela dos meus tempos de menino. Onde passava as férias de final de ano. Na companhia agradabilíssima das tias avós Mariana e Leonor.
O resto é enganação…