O sol amanheceu lambendo a terra com sua língua amarela.
Nada de chuva naquele começo de dezembro.
Chuva era o que faltava. Os rios secavam e nada de água pra dar as criações.
Naquele verão rabugento, de uma quentura de fritar ovos no asfalto, Toninho acordou desconsolado.
Era tempo de plantio. Naquele final de semana o pobre Toninho acabou de lançar as sementes de milho na terra recém preparada. Carecia de chover. Senão as vacas iriam passar fome.
Aquele pobre sitiante vivia da renda de alguns litrinhos de leite que suas vaquinhas mestiças lhe davam. E não carece lembrar a vocês: “vaca não da leite de graça. Tem de tirar, acordar bem cedinho. Faça chuva ou incendeie o sol. Tem de dar de comer a elas e como comem as danadas. E se sujeitar ao preço mixuruca que pagam ao litro de leite. Nesses tempos bicudos em que a chuva escasseia. Como o que anda acontecendo nesse final de ano”.
Mas a vida escorria devagar na vida do pobre desinfeliz Toninho. Um caboclinho tinhoso que não sabia e não conhecia outra vida senão aquela.
A sua rocinha foi herança do pai que a recebeu do avô. Ambos já falecidos num passado ido.
Toninho estava acostumado às intempéries da vida. Num ano as coisas iam de mal a pior. Noutro as coisas não se invertiam.
Mas naquele ano, que dentro em breve fechava os olhos, nunca se viu nada igual.
Não bastante do preço do leite vil a seca dava o ar da desgraça. A roça de milho não iria adiante. Dava um passinho a frente e dois atrás. Toninho tentou irrigar sua rocinha já que ali pertinho havia uma represa. Comprou tudo que precisava para fazer irrigação. Gastou tudo que tinha e inclusive pediu dinheiro ao banco. Quando estava prestes a jogar água na roça de milho vieram os homens do meio ambiente. Que lhe enfiaram uma intimação goela adentro e uma multa pesada. O papel dizia que não podia usar a água da represa. Que banhava a sua propriedade, mas não era sua.
Toninho quase perdeu os cabelos que não tinha. Como pagar aquela dinheirama toda? A situação ia de mal a pior.
A roça de milho foi pras cucuias. As vaquinhas foram pro brejo da desesperança mortinha.
E, se não bastasse tamanho infortúnio o desinfeliz Toninho ainda devia ao banco uma soma bem obesa. Impossível de ser paga num futuro incerto.
Aquele final de ano foi mais um sem perspectivas de melhorar. Nem o natal pôde celebrar. Sem festas terminou mais um ano. Sem dinheiro no bolso, sem o que dar de comer as vacas. Vendo a sua rocinha de milho secar. Toninho desconsolado acabou se mudando pra cidade.
Vendeu sua amada rocinha a um preço nada conveniente. Em pouco tempo se viu sem nenhum tostão no bolso. Desempregado perambula pelas ruas da cidade a procura de emprego.
Foi ontem que nos encontramos. Toninho mendigava à porta do mesmo banco onde ainda devia aquele empréstimo de anos passados.
Reconheci o pobre homem do campo. De mãos estendidas ele pedia esmola.
Depois de depositar uma nota das grandes em suas mãos tentei saber a razão de tamanha desilusão.
Ele me olhou com seus olhinhos lacrimejantes e me disse tristemente: “eita aninho ruim esse que passou. Espero que o ano que vem seja bem melhor”.
Foi isso mesmo que a ele respondi. Que as coisas melhorem pra todos nós.