Dia da caça…

Nem sempre vence o mais forte. Isso a vida me tem ensinado. Há vários anos passados.

Hoje o sapo engole a cobra. Amanhã quem vai sair vencedor nesse embate animal?

Assim ocorre no mundo dos humanos. Seres ditos pensantes. Embora muitas vezes ajam como se não tivessem cérebro. E sim um monte de coisas apodrecidas dentro dessa caixa revestida por osso e uma membrana a prova de quase tudo. Não de acobertar mentiras, falsidades, irresponsabilidade, falta de amor, de compaixão, de passar por um semelhante caído ao chão a passos largos e nele nem sequer olhar. Sem ao menos sentir o que se chama comiseração.

Somos seres considerados da escala mais nobre do mundo animal. Ditos pensantes, que aprenderam chorar e em certas circunstâncias nem ao menos se lamuriam ao ver a dor de um igual, com menos sorte que Deus a ele aquinhoou.

Somos por vezes um monte de insensibilidade tamanha que nem ao menos vislumbramos um próximo a sentir na carne a dor que porventura fora nele inserida por falta de oportunidade de se dar bem na vida. Ele não teve a fortuna de nascer em melhor berço. E por isso só lhe resta chorar. Seja por fome, por doença, por tristeza. Ou por alguma desventura de igual ou maior porte.

Certo é que um dia é da caça. Outro de quem pensa ser o caçador.

Ontem mesmo tive a prova deste escrito.

Estava caminhando em direção a casa que espero logo esteja pronta. Pena que quando se fala em acabamento, quem quase finda é o dono da construção.

Já perdi quase toda a pequena poupança ajuntada durante anos e anos de economia. Dos anteriores tantos reais só me resta uma ínfima parte deles. Os cabelos já perdi metade antes.

Mas, como não sou homem de deixar obra inacabada, a exemplo do grande arquiteto catalão, Gaudi, vou ao fim. Mesmo que tenha de empenhar todos os meus livros para quitar todos os débitos vencidos. Insisto, persisto, vou além do meu além.

No meio do caminho até a casa beira lago deparei-me com uma cena insólita.

Um tucano enorme, não foi possível afiançar-lhe a idade, mortinho estava no chão.

Dele só restavam penas e o bico enorme. Nem à sepultura decente a ave predadora teve direito a ela. Em pouco tempo, contam-se dias, alguma avisgourenta por certo o comerá inteirinho. Só restando ossos finos e o enorme bico amarelo. Que talvez sirva como adorno.

Parei um cadinho perto do tucano falecido. Saltava aos olhos a causa mortis.

Ele, ave predadora que era, de natureza, ao assaltar o ninho de um outro pássaro que esperava eclodir os ovos de seus filhotes, por cima de um poste de alta tensão, foi eletrocutado de imediato. Teve morte instantânea o infeliz tucano.

Não sei o destino dos emersos dos ovos do ninho situado logo acima do poste de concreto duro. Se foram salvos da fome do bicho bicudo. Ou se ainda vivem, prestes a deixarem o ninho.

Penso que não saberei. Talvez, um outro dia, quando minha casa estiver concluída, pronta a receber os amigos, algum filhote de passarinho avoe pertinho de mim e cante em honra e glória do tucano morto.

Uma ária fúnebre, ou a linda Ave Maria de Gounod.

Comecei meu texto falando de bichos e homens. Estabelecendo um paralelo entre nós e eles.

Fiz referências à maldade dos homens. E sobre a ingenuidade pura dos animais. Exemplo de fidelidade maior cito os cães.

Mas, mesmo sabendo de nossa aparente superioridade, podemos caçar tucanos, como eles caçam ovinhos e filhotes indefesos de passarinhos na intenção benevolente de dar de comer aos próprios filhos, um dia o tucano predador, somos predadores piores, matou-se ao tentar comer as crias ou os ovos de algum outro pássaro, nós mesmos, pensando sermos bichos da instância mais alta da pirâmide da vida, noutro dia podemos servir de isca a outro predador maior.

Assim disse antes. Um dia é dia da caça. O outro, num descuido ínfimo, passamos de caçadores a caçados. Como muitos políticos são cassados em algum dia de suas corrompidas vidas de safados. Um dia a casa cai. E se esboroa graças a operações como estas. As tais lava-jatos. Que espero não termine tão cedo. Pelo menos espero…

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