Festejando a desgraça

Tiãozinho Rico de Esperança tinha apenas o Rico no nome do meio.

Era mais pobre que sitiante em dias de vacas magras. Quando a chuva faltava justamente no tempo que mais carecia dela. E o preço do leite ficava mais baixo que mourão de cerca quebrado ao meio.

A vocação do pobre menino pobre não era a lida na roça. Embora ali tivesse nascido. De pais ruralistas. De avós do mesmo time fracassado.

Desde quando aprendeu as primeiras letras sonhava com um futuro melhor. A roça parecia lhe acenar com mais chuvas no verão caloroso. O barro grudento era onde gostava de patinar. O velho patinete preto presente de um tio torto.

Aos dez anos sofreu com uma picada de cobra felizmente não muito peçonhenta. E como doeu a mordidinha parecida inocente! O seu tornozelo direito parecia a uma bexiga usada como enfeite de festa de criança. Gorda, inchada, pena que o enchume não se desfazia com uma furadinha pouca.

Contrariando a vocação familiar o fedelho Tiãozinho teve a fortuna de estudar em boas escolas públicas. Fez-se doutor bom na redação. Discursava como poucos advogados. Falava a multidões como pastor renomeado.

Quis a esteira do destino que o ex-moço da roça conseguiu adentrar a uma boa faculdade de direito. Graduou-se em doutor das leis com notas máximas. Foi o primeiro entre os primeiros. E, uma vez vencido o concurso da OAB, mais um caminho o esperava de olhos abertos.

Queria ser juiz togado.  Quase logrou êxito. Ficou apenas em segundo lugar para o cargo tão disputado.

Como o tempo passarinha veloz, em seu cavalo baio, Tiãozinho acabou desistindo daquela cadeira escura, a que preside o tribunal do júri. Acabou por ser delegado de uma comarca de instância inferior.

Para lá se mudou com os poucos pertences debaixo do braço curto. A sua mudança mostrava apenas uma cama velha, um guarda roupa herança de uma tia, uma televisão valvulada, e um fogão de quatro bocas que felizmente não falava pelos cotovelos. E só.

Foi fácil conseguir um local para morar. Afinal era ele e sua companhia. Mais nadica de nada.

O primeiro ano como dono de uma delegacia improvisada, quando chovia goteirava por todo lado, foi chamado a deslindar um crime bárbaro.

O amante foi pego em fragrante delito dentro do armário manco. O marido chifrudo disparou dez tiros de cartucheira de gordo calibre na cabeça do padre local. Que veio a morrer no próprio armário. Que lhe serviu de ataúde.

Tiãozinho, era a primeira vez que foi chamado às falas, não se intimidou. Acompanhou o sepultamento vestindo uma toga urubuzenta. Até parecia orgulhoso do papel de delegado. Embora fosse juiz seu sonho mais alto.

A primeira façanha a gente nunca esquece. O caso do padre amante morto foi encerrado. O marido traído foi absolvido por ser réu primário. E julgado inocente por ser o tiro desferido como legítima defesa da honra.

A comemoração do caso bem resolvido foi realizado no salão paroquial da cidadezinha. O padre assassinado não era tido em bom conceito pelos coroinhas. Nem pelo bispo regional.

Na festa foi servida uma lauta feijoada.  Regada à cerveja quente, de uma marca não bem conceituada.

Um piriri geral foi a consequência do imbróglio. Todos os convivas saíram em disparada da sala ampla. E faltou latrina geral.

No dia seguinte ao rega- bofe, com o pronto socorro lotado, com uma catinga fedorenta, o delegado Tiãozinho foi festejado pela mídia regional como se fora o maioral.

A manchete estampada na página principal do matutino, diário de Santa Rosa, anunciava em letras garrafais: “Festejando a desgraça do padre morto o delegado Tião Rico de Esperança foi levado às pressas a outra comarca. Com quadro séptico grave. Em insuficiência renal. Foi ao óbito sob consternação estadual. Pena”.

Ponto final…

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