Bem que tentei

A vida que levo tem sido uma sucessão de tentativas. Umas vitoriosas. Outras um retumbante fracasso.

Desde menino nunca me aventurei pelos campos de futebol. No máximo mostrava aos meus coleguinhas o perna de pau que era eu.

Fui bom aluno na escola. Figurava no quadro de honra. Beirava a perfeição no português. Mas na matemática fazia feio. Enrolava-me não apenas no multiplicar quanto no dividir. Ainda me lembro da professora afeita aos números. Uma senhora um tanto obesa. Que usava um pince nez na ponta do nariz. Sem paciência a dona Marieta me punha de castigo. E eu fingia que entendia as suas lições. Embora a que apreciasse era a de português. Uma linda jovem que me fez tomar gosto por escrever. Hábito que cultivo até nos dias de hoje. Bem longe dos verdes anos da minha juventude passarinha.

Tenho tentado quase tudo em minha vida que se estende por anos e anos.

Jogar tênis com meu pai e meu filho foi uma tentativa que para mim durou pouco. Desde que meu pai nos deixou abandonei a raquete a um canto. Meu filho maior ainda pratica este esporte do qual virei mero espectador.

A partir de mais velho tenho tentado correr longas distâncias. Uso as pernas como os carros usam as rodas. Quase não gasto gasolina. Meu combustível é a inspiração que me domina. Não fosse ela o que seria de mim?

Antes dos vinte decidi por ser médico. Ainda sou. Tento continuar a arte da medicina por muitos anos ainda. Tenho por mim que médico não se aposenta. Deixa esta incumbência aos pacientes.

Bem que tenho tentado domesticar a ansiedade. Mas na maior parte das vezes não consigo.

Tenho tentado dormir mais horas como os entendidos aconselham. Mas o sono não tem sido meu amigo.

Tento esparramar bom humor entre meus circunstantes. Mas de vez em quando eles não entendem meus chistes.

Bem que tentei não chorar quando meus pais faleceram. Mas foi impossível guardar lágrimas dentro dos meus olhos tristes.

Tenho tentado não publicar tantos livros quase um a cada ano. Mas dezoito nasceram desde que comecei a escrever. Caso fosse inserir crônicas em livros seriam tantos que a conta perderia o encanto. Mesmo que fiquem encalhados na prateleira ainda persisto nesta minha sanha escrevinhatícia. Tomara continue até quando o desejo murchar dentro de mim.

Bem que tenho tentado não ficar amuado face à situação do país. Mas vendo o noticiário diário não tenho tido sucesso. É tanta violência, mortes ocasionadas pela troca de tiros que dão cabo de inocentes, tanta corrupção em altas esferas, que, embora tente, não consigo ficar indiferente à situação vigente.

Hoje, ao descer a rua, em meio à semana santa, senti na pele o frescor do outono.

Uma aragem agradável fustigou-me a face.

Em certo ponto da caminhada percebi alunos entrando pelo portão perto de onde passava.

Eram bem jovens. Pelos seus rostos sorridentes deveriam contar com menos de quinze. Um cadinho mais.

Embora usando roupas como as deles, fone de ouvido como a maioria, tentando dar risadas como os próprios, não consegui, embora tentasse, entrar pelo mesmo portão prestes a se fechar.

Caso o fizesse por certo o diretor me mandaria ao meu lugar. Não mais tenho idade para ser como aqueles jovenzinhos. Descompromissados com meu cotidiano de médico. Pai de família, avô, um senhor maduro em ponto de se acabar.

Uma vez ou outra por aquele portão entrei. Depois de dar o meu recado na aula de português, de ali deixar um livro meu, uma hora depois deixei a escola com a mesma idade com que entrei.

Eles, os jovens, contavam com cerca de quinze, dezesseis, um pouco mais. Eu ali entrei com sessenta e oito. Foi debalde a minha tentativa de perder anos.

Mas bem que tentei. Mas continuarei tentando.  Embora me frustre nesta tentativa malograda de desinserir anos aos meus desenganos.

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