Hoje o sol brilha forte, no entanto acinzenta-me a alma

Que dia lindo amanheceu nesta sexta-feira, final de mais uma semana.

Quente, céu azul, sol a fustigar-me a visão.

Ao sair de casa, a hora de costume, o clarume do sol era tão intenso que precisei de um par de óculos para tapar meus olhos sonolentos.

Aqui, no meu consultório, tive de cerrar as folhas das persianas. O brilho do sol entrava pela janela adentro de tal maneira que poderia por em risco a limpeza do vidro do aquário. Sabe-se que o sol em demasia pode mofar com sua luz excessiva o brilho da parede espelhada do aquário. Lá dentro nadavam, a espera de comida, três peixinhos serelepes. Três pacuzinhos já bem velhinhos, os únicos que ainda resistem dentro daquela piscina onde borbulha o oxigênio, vital para as suas sobrevivências.

Mais tarde, assim que as consultas da manhã terminarem, tenho de ir à roça. Será uma visita curta. Tenho de retornar a hora do almoço. Mais pacientes esperam ao cair da tarde.

Confesso certo enfado com a vida que tenho levado. Sinto-me triste. Nesta sexta-feira, dia lindo, sol intenso.

Ao revés do que acontece do lado de fora da minha janela, sol brilhante, céu azul, algo estranho apoquenta-me por dentro. Uma sensação estranha. Uma nostalgia tamanha. Sentimento este sem explicação convincente.

Talvez seja pelo cansaço destes anos todos que tenho vivido. A rotina entorpece-me a alegria. Fazer tudo sempre igual. Acordar a mesma hora costumeira. Lavar o rosto tentando afastar o sono. Escovar os dentes, sem olhar o espelho. Ir ao consultório na tentativa inglória de combater as mesmas enfermidades de sempre. Operar se for necessário. Ir de trabalho em trabalho de segunda a sexta-feira. Pagar contas. Verificar o saldo bancário preocupado caso ele entrar no vermelho. Viver naquela correria costumeira. Sem tempo para pensar em mim.

Talvez a vida que tenho levado seja a responsável pela cinzentice da minhalma. Tento ser feliz. Mas raras vezes consigo.

A medicina tem sido um fardo pesado demais as minhas costas ainda fortes. Ainda longe da aposentadoria. O que vai ser de mim quando deixar a medicina?

Serei feliz apenas vivendo longe do trabalho? E por quantos anos mais estarei apto a tratar das pessoas que me procuram no consultório.

Hoje acordei com um estranho sentimento de nostalgia. Lá fora o sol brilha forte. Aqui dentro no entanto acinzenta-me a alma.

Não sabia sobre o que escrever. Eu, que todas as manhãs acordo bem disposto. Pronto a encarar as vicissitudes do novo dia.

Bem sei que cada dia é um novo dia. De repente a gente acorda com ânimo redobrado. Noutros, embora o sol brilhe, a tristeza, a angústia, toma conta da gente.

Tudo isso faz parte do viver. Tomara amanhã, consiga acompanhar o brilho do sol. E acorde, no sábado que há de vir, com outro sentimento a contaminar-me as entranhas.

Assim sou eu. Desta maneira são as pessoas sensíveis. Nossa alma brilha independente de nossos sentimentos. Mas, de vez em quando, ela acinzenta-se quando deveria estar alegre.

Estes altos e baixos fazem parte de nós. Todo poeta tem sua alma triste. Apesar do clarume do sol que brilha lá fora.

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