Confesso certo enfado…

O mês de dezembro em verdade é o mais desgastante de todo o ano.

Também pudera.

Depois de onze meses de trabalho constante, naquela rotina assaz massacrante, acordar a mesma hora de sempre, lavar o rosto depois de uma noite insone, escovar o que sobrou dos dentes, tomar uma ducha morna para tentar ir adiante, voltar ao trabalho fingindo a mesma disposição costumeira, e, afinal, após mais de oito horas voltar a casa, preparar a comida dormida na geladeira, para tentar dormir, embora o sono seja povoado de pesadelos.

Dezembro deveria ser a coroação de nossos sonhos.  Afinal é nele que celebramos o nascimento de Cristo. Mas hão de concordar comigo. Trata-se do derradeiro mês do ano.

Quando se devem pagar as contas em dobro. Principalmente os patrões. Não os assalariados.

Confesso certo enfado neste último mês de ano. É nele que comemoro meu desaniversario. E quem se alegra sentindo-se mais velho? Agora que setentei, inseri mais algumas velinhas em meu bolo de aniversário, não tenho motivos para comemorar.

Apesar de me sentir como aos vinte anos por certo meu corpo rebela-se quando olho o espelho. Para onde foi meu topete altaneiro? E aquela face lisa, sem rugas, com aquele olhar vivo? Agora o que restou dos meus cabelos pouco se deixam ver nas têmporas. Um descalvado ancho se formou do lado de cima. E uns fios grisalhos adornam minha cabeça ampla.

Confesso certo cansaço nesta altura de minha existência. Ainda longe da aposentadoria que bom seria se ela começasse no dia de hoje.

Como seria aprazível assentar-me ao banco de jardim. Admirar os pássaros que porventura se aproximassem de mim. Olhar as árvores de baixo. Admirando-lhes a grandiosidade.

Poder passar horas a fio sem pensar no que fazer amanhã. E ter um sono tranquilo próprio das crianças.

Nos dias atuais durmo pouco. Acordo a mesma hora de sempre. Começo a trabalhar a partir das oito. Tenho pouco tempo para pensar em mim. Bem sei que o ritmo de trabalho diminuiu sensivelmente. Afinal amo o que faço.

Mas confesso certo enfado depois de anos e anos na mesma rotina.

A partir de quando poderei descansar de vez? Por certo apenas quando não mais puder admirar os amanheceres.

Neste mês de dezembro aniversario. Torno-me um ano mais velho.

Há exatos quarenta e cinco anos graduei-me em medicina. Aqui na minha cidade do coração conto com quarenta anos de trabalho contínuo.

Confesso que preciso tirar férias. Não de mim mesmo.

E sim das contrariedades. Dos desafetos. Das pessoas que me fazem mal.

Nesta altura da minha vida pretendo fazer apenas o que me da prazer. Mas tem sido difícil mudar as coisas.

Afinal sou apenas um ser humano igualzinho aos outros. Seria muita pretensão de minha parte.

Confesso, e não preciso me alongar muito, que eu consiga fazer de mim o que fui anos atrás. O tempo não permite tal arroubo de insanidade.

Neste mês de dezembro, quando se avizinha o Natal, mesmo cansado de quase tudo, que Deus me permita ter forças para recomeçar outro ano. Que seja novo enquanto dure. Enquanto persistir dentro de mim uma vontade imensa de viver.

 

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