Não mais conto anos

A partir de certa idade, perdida mocidade, não mais contamos anos.

Afinal, são tantos desenganos por que passamos, tantas derrotas colecionamos, que mais um, mais dois, tanto faz, como tanto fez.

Uma vez meninos só pensamos em brincar. Benditas férias de fim ano. Que venha o Natal.

Com aquela árvore cheia de luzes e bolas coloridas a gente não via a hora de chegar o grande dia. Na noite do dia vinte e quatro para o vinte e cinco passávamos em claro. E acordávamos bem cedo. Quase madrugada. A fim de desembrulhar os presentes. E ainda acreditávamos no Papai Noel.

Uma dúvida nos assaltava. Como uma pessoa fora do peso conseguia passar pelo canudo estreito da chaminé? E as renas? Pobres veados alados, onde permaneciam naquela noite feericamente iluminada? Elas viviam em verdade num país gelado? Ou numa floresta onde fadinhas avoavam sem saber pra onde ir.

A partir de certa idade não mais contamos tempo. Deixamos que ele corra devagar. Tentamos, debalde, colocar freios na boca do tempo. No entanto, quem diz que conseguiremos tal intento?

O tempo corre célere. Independente da nossa vontade.

Quando se percebe não mais temos vinte anos. Quando menos se espera lá se foi a juventude.

Num certo ponto da vida chegamos a maior idade. Os anos nos cavalgam às costas.

Ai, neste ponto da encruzilhada, as malfadadas enfermidades passam a tomar conta da gente.

Não mais esperamos a chegada do bom velhinho. Ele, somos nós.

Não mais esperamos ávidos e sedentos o dia de Natal. Passamos a desacreditar no Papai Noel.

Uma vez chegados ao final da linha, ainda bem que ignoramos a hora de ir embora, já cansados de tantas desventuras, uma certeza toma conta da gente. Já é hora de partir. Pra onde? Para além das nuvens? Hoje elas se mostram cinzentas. O sol ainda não apareceu.

Hoje, neste dia sete, de um ano sem motivos para celebrações, não preciso enumerar as razões, completo mais um ano no meu calendário. Deixei os setenta de lado. Inseri mais um ano no meu viver.

A partir de anos passados não mais celebro aniversário. No meu bolo não caberiam tantas velinhas. Pois caso as deixasse acesas correria o risco de incendiar a sala. E meus queridos netinhos seriam os mais privilegiados neste dia não festivo. Pra mim. Acredito.

Não mais conto anos. Prefiro continuar pensando que ainda sou menino. A espera do dia de Natal.

Nesta data que hoje passarinho como gostaria de avoar aqueles bons anos que não voltam mais.

Infelizmente não tenho como mudar este status quo. A vida é assim. Não como a gente deseja.

Os anos passam independentes de nossa vontade. Não tenho como frear os anos.

Hoje estou ficando um ano mais velho. Dezembro logo se vai. E com ele se vai mais um ano.

A partir de certa idade não mais contamos anos. Pena que não podemos ir ao sentido contrário.

Logo chega o Natal. E eu, com minhas barbas nevadas, se as deixasse, passaria a ser o Bom Velhinho.

Neste dia sete, primavera se despedindo, para entrar o verão, se pudesse pedir um presente, qual seria ele?

Por certo não seria um carrinho de bombeiro, ou uma bola de capotão.

Seria sim, que pudesse receber um abraço apertado dos meus queridos pais. Quem sabe tê-los de volta, por um minuto apenas. E poder dizer o quanto ainda os amo. Mesmo nas suas ausências.

Não mais conto anos. E sim histórias nestas crônicas que dizem um cadinho de mim. Até quando eu puder. Ah!, Se eu pudesse reviver parte do meu passado, fazer dele um presente, em direção a um futuro, uma incógnita, com certeza passaria a contar os anos sem desenganos. Pena que não consigo me desvencilhar da marcha acelerada do tempo.

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