Lá se foi mais um

A cada dia observo, na minha oficina de trabalho, aonde chego todos os dias sempre a mesma hora, um amontoado de poeirinha no canto da estante onde guardo livros e fotografias de pessoas queridas que fazem parte de minha vida.

Ora este amontado se mostra logo abaixo deste móvel antigo. De quando em vez a poeirinha fica dentro da própria estante.

Esta poeirinha é conhecida por vários nomes: caruncho, cupim, ou similares. Trata-se de um besourinho minúsculo, quase imperceptível aos olhos, cujo prato principal é a madeira, quase sempre de má qualidade. No meu caso esta praga não se deve a falta de higiene com que trato a limpeza do meu consultório. E sim devido a antiguidade daquele móvel feito há muitos anos passados.

Por falar em antigo, já disse, quantas vezes, a idade em que no presente momento me encontro. Já disse que não me importa a passagem dos anos. E sim a qualidade de vida por que tenho vivido. Não sinto nada. Sou feito de puro cerne como aquela amoreira que um dia tombou à beira da estrada depois de uma chuva acompanhada de raios.

Conto nos dedos as vezes em que fui recolhido a um leito de hospital. Uma delas foi devido a passagem dolorosa de um cálculo renal. Assim que a dor atenuou não teve como não escapar daquela casa, onde quantas vezes entrei, não para tratar de mim. E sim para operar pacientes que padeciam da mesma enfermidade.  Ignoro quantas pedras interpuseram-se no meu caminho. Foram pedras miúdas. Outras mais graúdas. Felizmente esta doença me deu tréguas. Espero ficar livre daquelas pedras, não as que decantou Drummond.

Fui agraciado com o diploma de médico naquela turma de um mil novecentos e setenta e quatro. Quase cinquenta anos são passados.

Tempos são passados desde então. De vez em quando, não sempre, a nossa turma de esculápios se encontra. A última vez foi na cidade onde nos graduamos. Deste vez não estive presente.

Belo Horizonte mudou muito. Ainda me lembro de onde morei. O edifício, nas proximidades do parque municipal, olhava, da janela, o verde das árvores. O aconchego do frescor do verde. Assim como daquele lago quase sempre esverdeado. Onde peixes nadavam sem que nos permitissem pescá-los.

O meu trajeto até a faculdade de medicina sempre era feito pelas próprias pernas. Daí até hoje se explica a minha aversão aos carros.

E como era bom desfrutar da companhia dos colegas. Éramos cento e sessenta em números exatos.

Durante os nossos encontros de formatura sentia a falta de alguns deles. A derradeira vez faltavam quase vinte. Não me era possível nomeá-los todos. Mas sentia-lhes a ausência. Mesmo sabendo que qualquer dia seria a minha vez.

Naquele nosso último encontro, ao qual não compareci, me disseram, que dos cento e sessenta exatos, só restavam quase cem.

O que vai acontecer da próxima vez? Sei que sempre vai faltar mais um…

 

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