Tom Zé

Atemoriza-me a inatividade que me espera a partir da próxima quarta-feira.

Estou condenado, não por um crime que tenha cometido, ou por qualquer ato falho.

Depois de anos e anos de pé, à beira aquele leito cirúrgico, onde pacientes são operados, metendo o bisturi barriga adentro, retirando próstatas hipertrofiadas, removendo cálculos que se desgarram do rim, migrando pelo ureter na intenção de chegar à bexiga, de onde deveriam ser expelidos por aquele canalzinho por onde escorre a urina, até que o mesmo veja a luz do dia, extraindo rins, sem a menor chance de voltarem  a funcionar a contento, extraindo tumores que se alojam nas  vias urinárias, onde quer que se encontrem,  tratando patologias da região genital, diga-se testículos e bolsa escrotal, operando fimoses, na intenção de melhorar a higiene do pênis, a partir de quarta-feira, dois dias apenas, vou encarar a outra face da moeda.

Tomara em alguns dias possa voltar ao trabalho. Serão férias forçadas. Oxalá o bom Deus ilumine o cirurgião, faça com que o anestesista aplique o medicamento necessário para que eu acorde de um sono bom, a cirurgia seja coroada de sucesso, e consiga deixar a Santa Casa caminhando pelas próprias pernas, como sempre me aprouve fazer.

Ontem fui ao circo. Acompanhado dos meus três netinhos. Quase o circo pegou fogo. Tal a desordem que campeava do lado de fora. Filas quilométricas nos tiravam o resto da paciência que nem Jó conhecia. E, se me perguntarem se valeu a pena o espetáculo não digo que não ou que sim. Com a palavra meus três netinhos. Pelo sorriso estampado naquelas carinhas risonhas a resposta não pode ser outra. Valeu sim.

Deixando o circo de lado. E a minha cirurgia que por certo vai correr às mil maravilhas, tenho agora, neste ponto da minha narrativa, tecer alguns comentários sobre um amigo, não tão velho como eu.

Ele mora numa rocinha pertinho da minha. Já por ali passei, numa das minhas corridas loucas, comendo poeira na estrada, passando por Ijaci, e voltando à Lavras pela estrada da ex ponte do Funil. Foi um percurso de quase trinta quilômetros. Quanto mais eu corria mais me sentia a vontade. A explicação para tal sentimento se deve ao incremento das endorfinas. Que cuidavam de atenuar a minha fadiga. Impelindo-se sempre a frente. Deixando pra trás o cansaço. Antevendo cada vez mais a chegada. Mesmo que para chegar a ela ainda faltasse umas boas léguas de lonjura.

Aquele meu amigo, filho de um tal Pedroso, bom de prosa e melhor de enxada, agora toma conta daquela propriedade que lhe pertence por direito. Mesmo que seja um direito arrevesado. Disputado por outros filhos, netos do amigo Pedroso.

Tom Zé, por mim alcunhado, já que Antônio José é um nome estendido longo como uma cerca de arame farpado, já o conheço desde menino.

Hoje, deixando a meninice de lado, Tom Zé conserva o mesmo bom humor que sempre o acompanhou desde tempos idos. Nunca o vi contrariado.

Ao revés. Ele sempre sorri mesmo defronte às adversidades.

Nesta manhã, daquele sábado que agora se fez ausente, encontrei-o de prosa, montado num lindo cavalo pampa, em conversa mole com meu vizinho, o Serginho, professor de tênis, com o qual disputei animadas partidas naquelas quadras do querido clube LTC.

Como estava com minha pratinha valente entulhada de coisas que iria levar a minha rocinha, mourões quase despencando, uma telona toscamente atada à carroceria, parei um cadinho.

Foi quando o amigo Tom Zé apeou da sua montaria, e me ajudou a colocar os mourões em seu devido lugar.

Propus-lhe um negocinho.

Carecia, na minha casa beira lago, onde mora o Del Rey, meu pastor alemão que só sabe latir a abanar o rabinho de tão contente quando me vê, de reformar o canil onde ele foi criado. Só que, pela solidão onde ele se encontra, ali já passaram namoradas que não o amaram como ele merecia, dali se evadiram.

Del Rey hoje mudou de casa. Mora na varanda do meu amigo Roberto. O arrendador da minha rocinha antes prejuizenta. Que hoje dá lucro. Graças a sua familia de gente pra lá de boa.

Fomos, eu na minha caminhonetinha, chegando vagarosamente a minha morada beira represa do Funil.

Tom Zé prometeu ir tempos depois.

E não é que ele ali chegou pontualmente como combinado?

Acertamos alguns pequenos detalhes sobre a reforma da casinha do Del Rey.

Tudo acertado, agora sé me resta esperar o orçamento por empreita da reforma do cercado.

Que não seja pra mim apertado. Que seja de acordo com minhas reservas cada vez mais minguadas.

Combinamos quase tudo. Menos o preço daquele lindo cavalinho pampa.

Meu amigo Tom Zé, o qual tenho em fotografias ao meu lado, agora é um faz tudo por aquelas paragens. Ele é um carpidor de pasto. Pedreiro de meia colher. Pião que cavalga solitário. Sempre ao lado seus fiéis guarda latidos. Um dele se estranhou com o Del Rey. Logo foram apartados.

Meu caro amigo Tom. Espero que esta crônica nos una ainda mais. E que ela dê conta de abaixar o preço que vai me cobrar pela reforma de onde vai viver feliz meu outro amigo Del Rey.

Até qualquer dia. Quando irei retornar aí. Já restabelecido da operação da qual sou candidato a me deixar fazer.

 

 

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