Não é que aconteceu?

Duas vezes penso, repenso, naquilo que um certo dia aconteceu.

Não por descrença. Ou que seja incrédulo.

Mas, nesta altura da minha existência, depois de ter passado por tantas turbulências, não nas asas dos aviões, e sim no meu périplo pela vida, vida que te quero presente, sempre envolto no meu passado, passado e repassado naquela mesma rua que daqui se avista, e como minha vista ainda enxerga além das entrelinhas, apesar da idade que me cavalga às costas, não tenho como me desvencilhar dele. Aquela casa, agora demolida, um tapume tenta impedir de me lembrar dos meus pais, foi onde passei os melhores anos de minha vida.

Só, quando dali me mudei, na intenção de continuar minha formação profissional, tempos mudados, mudei-me eu, já que não queria crescer, ficar do tamainho de uma formiguinha, a mesma que sempre, quando acordo, vou ao cômodo de banhos, deste apartamento pertinho de onde escrevo, sorri em minha direção desgrenhada. E me diz, com aquela vozinha formiguenta: “doutor, eu o conheço. Só que não sei qual o seu lado verdadeiro. Se médico urologista, diplomado pela Universidade Federal das Minas Gerais, pós graduado pela Universidade Autônoma de Madri, ou, se não me falha a ignorância, o senhor, a partir de alguns anos passados adquiriu outra vestimenta. Tornou-se, depois de mais velho, um baita e fecundo escrevinhador”.

Em verdade aquela formiguinha doceira, que não faz mal a ninguém, madrugadora como eu, tem de fato carradas de razão.

Tenho duas caras. Essa mesma que faz quase partir o espelho em cacos. Dada a minha feiura urubulesca. Aquela carantonha feiosa, que cursou medicina. E aqui aportou nos idos anos de um mil novecentos e setenta e sete, usando tamanco e fumando, sem saber tragar, um cachimbo que hoje se esconde nesta estante que me guarda os costados. Ou, até mesmo um escritor ainda não reconhecido. Que, por não ser reconhecido, além da serra da Bocaina, não consegue desovar livros, que se amontoam nesta mesma estante. Sob o risco iminente de serem devorados pelos cupins.

De fato, nestes tempos pandêmicos, graças ao bem Deus a pandemia mostra sinais de recrudescimento, hoje mais sou reconhecido como escritor, que como médico urologista, este esculápio de raros cabelos tintos de neve, que ainda não se jubilou.

Ontem, dia de uma terça feira que o calendário repaginou, ao subir pelo elevador, já depois do meio dia, uma senhorinha, ainda com traços de rara formosura, olhou pra mim, olhos vítreos de espanto, ao deixá-la subir a outro andar, eu desci no sétimo, ela subiria um cadinho mais, naquele átimo de segundos, ela olhou-me nos olhos, com olhares de pura admiração, e comentou: “ o senhor é famosérrimo. Em alto e bom tom”.

Pensei cá comigo mesmo. Seria eu em verdade famoso? Pena que nem eu mesmo sou quem penso ser. Se médico ainda em atividade menos intensa. Versado e conversado em seis idiomas. Poeta atleta. Como me apelidaram os meninos do condomínio onde vivi? Ou um simples cronista e romancista reconditamente escondido nesta minha linda Lavras antes chamada do Funil, que a represa engoliu?

Àquela senhorinha incrédula com o que viu, disse, e repeti, que era eu mesmo. Um tal Paulo Rodarte, urologista e escritor, com quase dezenove livros publicados. Muito em breve nasce mais um filho meu.

Quando ela foi informada, graças ao meu site – www.paulorodarte.com. Que eu era ainda médico, com quase cinquenta anos de formado. Ela, olhos esbugalhados, mal escondendo sua admiração, pasma me confidenciou: “amo os seus escritos. Não tenho nenhum dos seus livros. Mas leio tudo que o senhor posta. Tanto no Face como no Instagram”.

Já no período da tarde, não tão tarde quanto pretendo viver, passei por outro escritório. Aqui pertinho. No meio do morro do Mirante. Gostaria de pedir mais um patrocínio. Para meu novo livro – Leia com meus olhos. Que está prestes a nascer. De uma maternidade a qual chamo de gráfica ou editora. Aquela que amamentou alguns de meus filhos livros. A conceituada Indi Gráfica. Cujo capista e diagramador se chama Alessandro. O melhor com quem tenho trocado palavras. Que unidas e entrelaçadas formam frases. Que, uma vez crescidas se transformam juntas em livros.

Naquele escritório de um advogado, conceituado em nossa cidade, a recepcionista, quando pedi para falar com o patrão, olhou-me nos olhos, embevecida e enternecida, e, depois de me apresentar como Paulo Rodarte, ela assim me falou: “o senhor é o Paulo Rodarte? Não acredito. Deixe aqui, nas linhas tortas da palma de minha mão, a sua caligrafia. Sou sua fã de carteirinha.  Coleciono frases de sua autoria. Tenho pelo senhor como alguém da prateleira bem de cima. Uma figura quase mítica. Um escritor sem par”.

Deixei o dia de ontem sonhando alto. Quem sabe meu próximo livro vai se tornar best seller. Mais lido do que de um tal Paulo Coelho. O qual vende livros como se vendem montões de saquinhos de pipocas num circo lotado qualquer.

Acreditem se quiserem. Metade do que vai escrito de fato aconteceu…

 

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