À princípio uma pandemia sem controle. Lá dentro um lenitivo para as nossas dores

A vida é assim mesmo.

Nada se consegue sem lutar. Muito foi dito, por um poeta maiúsculo, que: “a vida é combate. Que os fracos abate. Que os fortes, os bravos, só deve exaltar (Gonçalves Dias)”.

Entendo que nada na vida se consegue, ficando assentado a um banco da praça, olhando nos olhos verdes das árvores, ouvindo passarinhos cantarem, sem nada a fazer, a não ser resmungar.

A isso me refiro aos menos aquinhoados de berço. Aqueloutros, nascidos em berços doiros, pais mais favorecidos, donos de contas bancárias que mandam as sobras para bancos suíços, contando com um cadinho de ventura, estes sim, podem enricar.

Ao revés. A maioria de nossos trabalhadores, aqueles que se levantam ao despontar do sol e só voltam ao barraco alugado, num alto de morro, quando a lua boceja, mal têm como encher a despensa. E voltam pra casa sem um tostão furado. Vestindo uma calça remendada. Camisa rota e encardida, que foram comprados num bazar qualquer.

Na vida ou se perde ou se ganha. Mas ganhar algo com as próprias forças, fazer fortuna sem causar prejuízo a outrem, aí é que mora a distinção entre honestidade ou viver na velhacaria. Causando prejuízos com aquele que negocia. Coisas e loisas muito comuns nestes tempos bicudos.

Dias atrás escrevi uma crônica movido por uma pena pesada. Isso quer dizer: estava fulo de raiva. Melhor deitar no papel estando de bem com a vida. Pois, nesta altura da minha vida pra que angariar desafetos? Tratar mal a alguém? Se a gente não é a última bolacha do pacote. E nem mesmo temos o direito, quando contrafeitos, de dizer, raivosamente: “a senhorita sabe com quem está falando”? Muito embora aquela mesma dama, assentada desconfortavelmente sobre uma cadeira dura, por detrás de uma superfície espelhada, uma reles e mal amada recepcionista, afoitamente estressada, não tendo tido a devida e necessária educação, para tratar melhor aquele que tenta se fazer entender.

O título desta crônica, para quem não a leu, repito: “antessala da agonia.”

Confesso, naquele instante, ter escrito aquele texto com uma pena pesada.

Com uma certa angrisia apoderando-se de mim por inteiro.

Já no dia ontem, dia de me operar, de uma hérnia que tanto me incomodava, ao chegar ao mesmo hospital fui atendido da mesma forma primeira.

A mocinha, a qual não a reconhecia, nem ela a mim, depois de exigir mundos e fundos, papéis que já havia trazido da vez anterior, já estava atrasado para subir ao centro cirúrgico, e não tolero atrasos tanto de minha parte quanto de qualquer pessoa, acabou por deixando perder um documento carcomido pelos anos.

Enquanto ela duvidava que eu não havia trazido tal documento, eu jurava e desconjurava que sim. Depois de minutos preciosos perdidos, depois de incontáveis querelas, a mocinha, creio eu, novata em seu oficio, sem muita boa vontade de aprender, acabou por encontrar minha carteira de identidade perdida no chão atrás do seu balcão.

Nesta hora causadora de tamanho estresse. Depois de ter de tirar nova senha, enfim subi a rampa. Fui conduzido, amavelmente, por funcionários subalternos daquele velho hospital, até o andar onde deveria esperar pela minha operação.

Foram incontáveis os serviçais, sempre de sorriso aberto, gentis e respeitosos, embora muitos não me conhecessem, até chegar ao meu amplo apartamento.

Neste interim, antes que a habitação estivesse prontinha e higienizada para receber o novo paciente, fui até uma salinha contígua aonde deveria ficar.

Ali encontrei-me com uma simpática enfermeira. Ela me conhecia como sendo o pai da Bárbara e marido de minha esposa.

Não me lembro de seu nome. E ela lembrou-se de algumas crônicas de minha autoria.

Li, em voz pausada, aquele texto da vez primeira: “antessala da agonia.”  Ela concordou ipis litteris com o que estava escrito.

E como fui bem tratado por todos os profissionais da velha Santa Casa. Tanto pelas enfermeiras do quarto andar. Em reforma. Quanto por todos aqueles pertencentes ao centro cirúrgico.

Dormi sem saber o que fosse dor. Acordei melhor de quando ali cheguei.

Graças ao anestesiologista de nome Thiago. E ao excelente cirurgião a quem trato de Bruninho. Não fosse a competência do velho Dedé, não sei qual seria o resultado da minha operação. Foi ele quem fez desse velho urologista um incipiente escritor.

Daí a minha conclusão sobre o título que elegi para esta crônica: “a Santa Casa nada mais é do que: “à princípio uma pandemia sem controle. Que depois se metamorfoseia num lenitivo para as nossas dores”.

 

 

 

 

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