“Pra que era memo”?

Quanto mais velho ficamos mais a memória claudica.

Lembramo-nos de fatos do passado. No entanto, o que aconteceu no dia de ontem, solenemente olvidamos.

Com quem nos casamos nunca esqueceremos. Mesmo que ela tenha nos deixado faz tempo.

A festa de nosso trigésimo aniversário está intimamente gravada em nosso baú de guardados. Mas nos esquecemos, entretanto, a algaravia feita por nossos netos em nossa casa quando celebramos nosso octogésimo cumpleanos.

A velhice cuida de sonegar fatos acontecidos recentemente. Mas ela não nos deixa esquecer a desfeita que nossos filhos fizeram ao nos deixar numa casa de idosos. Sem ao menos nos visitar uma vez apenas antes de nossa passagem ao outro mundo.

A idade nos prega peças. Já que as peças de nosso corpo alquebrado não podem ser substituídas por outras novinhas como fomos um dia.

O passado nos corteja. O presente dizem ser o que conta. Mas o futuro, ah! Não damos conta de quantos anos mais viveremos.

A mim não importa quantas portas se abriram a minha frente. Conto apenas aquelas que se fecharam quando eu mais precisava de um emprego.

Conto anos e não me esqueço dos desenganos.  Se digo que um dia não amei. Não gostei de alguém. Não culpem a mim mesmo. Decerto essa pessoa não pensava da mesma maneira que eu pensei.

Outro dia. Era começo de semana. Uma provável segunda feira. Prestes a fechar minha oficina de trabalho. Aonde chego em plena madrugada. Aqui chegou um consultante.

Era um senhor com quase o dobro da minha idade. Ele beirava o centenário.

Seu nome era Seu Chico. Seu segundo era Bento. Os sobres ele não me contou.

Ele veio só. Amuletado, andar trôpego, de audição capenga como ele era.

Foi preciso paciência para entender seus queixumes. Ele falava bem alto. Uma voz trovoenta se podia ouvir no prédio inteiro.

Perguntei-lhe como estava passando. Se tinha alguma queixa relativa à urina. Se porventura tinha algum parente que o acompanhasse à consulta.

Seu Chico entendeu de tudo um cadinho. E se pôs a cochilar na cadeira defronte a minha.

Quase uma meia hora se foi. E nada de ele dizer qual o motivo da consulta.

Estava quase no limite de minha paciência quando ele acordou de seu cochilo.

“Dotô. Minha mulher foi pro céu no mês passado. Enviuvei pela quinta vez. Ainda tenho fogo nas ventas, mas meu pinto não alça vôo. Minha quinta mulher tem apenas trinta anos. E ela tem uma vitalidade que nem eu tinha antes. A nossa lua de mel quase virou fel. Não consegui empinar minha pipa. O que fazer meu caro dotô”?

Quase duas longas horas se foram. Examinei-o meticulosamente. Ele de fato estava semi inteiro.

O problema de falta de ereção se resumia num pequeno detalhe. O fracasso se devia à idade vetusta.

Prescrevi-lhe um remedinho bem fraquinho temendo reações colaterais. Era um derivado da tadalafila em dose mínima.

Horas depois da farmácia me ligaram. Era a voz trovoenta do Seu Chico do outro lado da linha.

“Dotô. Quando fui comprar o remédio me esqueci pra que era memo”?

Ele estava meio isquicido. Iguarzin há muitos paciente iguar a mim memo.

 

 

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