Ela vivia de saudades

Da mesma maneira que saudades despertam em mim lembranças ternas.

Nostalgia dá no mesmo que sentir saudade. Melancolia vem da mesma família.

Viver recordando o passado também me inspira sempre.

Meus pais. Parentes que já se foram. Amigos que perdi. Povoam meus sonhos nas noites curtas das quais desperto sempre a mesma hora.

Viver de saudades me faz lembrar de tempos pretéritos.

Quando, ainda jovenzinho estudava naquele colégio cujo uniforme era verde e branco. Bons tempos. Verdes anos.

Melor ainda aos cinco anos. Morando naquela rua que daqui se avista a mão esquerda.

Mas tudo se desfaz. Como o tempo que passa sem se deixar frear.

Ai de mim não fossem as lembranças. Elas despertam no meu eu saudades imorredouras.

Tenho saudade de tudo um cadinho. Daquele cãozinho de pelagem negra que um dia escapou da coleira e foi atropelado por um carro em movimento. Fui eu quem lhe cerrou os olhinhos no seu derradeiro instante de vida. Tive outros cães. Mas como o querido Rebel ele foi o único.

Enche-me o peito saudades de quase tudo. Daquela menina de cabelos louros e lisos que um dia tentei me aproximar delazinha, mas ela não permitiu. Foi a primeira decepção amorosa que me lembrei. Outras vieram. Não com a mesma intensidade. Mas foi aquilo que me despertou para outros amores. Ilusões perdidas que ainda guardo dentro de mim.

Já aquela senhora. Que um dia passou pelo meu consultório. Com queixas que nem me lembro quais. Aqui defronte a minha cadeira passou a contar momentos de sua história.

Fez-me de confidente.

Naqueles breves momentos escutei, placidamente. Sem interpelá-la.

Seu nome era Aurora. Não sei de que.

A idade sonego agora. Mas ela ainda era bonita como uma rosa ainda em botão.

Aurora começou assim seu testemunho. Entre lágrimas ela falava:

“Fui casada uma vez apenas. Éramos felizes no princípio de nosso casamento. Não tivemos filhos. Éramos apenas ele e eu. Ele era viajante e vendedor. Vendia vestidos de festa. Era alto e de olhar cativante. Amoroso e sensível. Não chegava a nossa casa sem trazer presentes. Beijava-me sofregamente. Fazíamos amor em qualquer lugar. Ainda me lembro, anos se foram. Quando Eurico chegou de viagem bem tarde. Eu o esperava no dia seguinte. Estava ainda acordada. Na minha cama, desnuda. Quando ele me abraçou. Fizemos amor até o raiar do dia. Acordamos exaustos. Mas ainda prontos a nos amarmos de novo. Era uma tarde de domingo. Quando o esperava. E a notícia veio a galope. Um trágico acidente ceifou a vida do meu amado Eurico. Depois disso nunca mais tive outros homens nos braços. Ele foi o único amor de minha vida. E tenho a certeza que não terei outros. Hoje vivo em meio a saudades e lembranças. Elas movem o meu viver”.

Assim vou vivendo eu. Em meio a saudades e recordações imorredouras. No dia em que eu partir ai sim poderei me desvencilhar delas todas.

Dona Aurora se foi. Soube noticias dela tempos depois.

Ela foi encontrada sem vida debruçada sobre o túmulo do marido. Linda como sempre foi.

 

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