Quanto mais velho eu fico mais experiente me acho.
Isso de ficar idoso, velho, carcomido pelos anos, não faz parte de minha vida.
Quanto mais velho eu fico mais me aproximo da juventude. Fico me lembrando dos verdes anos. Da minha infância perdida que olha pra mim lá bem distante. Daquela bicicletinha de rodinhas amarelas. Das quais me desvencilhei, não sem antes levar um belo tombo.
Quanto mais velho eu fico fico pensando no quanto já vivi. Quantos sorrisos já dei. Quantas lágrimas já derramei. Quantas paixões já passaram por mim. Quantas desilusões, foram tantas que já me esqueci.
Quanto mais velho eu fico mais esperança tenho de um dia voltar a ser menino. De brincar naquela mesma rua hoje encoberta pela escuridão da madrugada. Dos amigos daquela mesma rua com quem não brinco mais. Pois eles hoje brincam no céu.
Quanto mais velho eu fico mais me aproximo de Deus Pai. Pois bem sei que, mais tarde ou mais cedo, com ele me encontrarei.
Quanto mais velho eu fico mais me lembro de quando a conquistei. E ela até hoje me acompanha. Fazendo contas como ninguém. Foi no rela do jardim que nos encontramos pela primeira vez. Já faz tanto tempo que perdi a conta dos anos. Mas ainda estamos juntos espero por muitos anos mais.
Quanto mais velho eu fico mais se avizinha a hora da minha partida. Espero adiá-la sine die e que ela seja esquecida enquanto estiver por aqui.
Agora não mais conto anos. Nem velinhas assopro mais. Deixo as festas de aniversário aos meus netinhos. Três garotinhos encantadores. Com eles rejuvenesço e acabo me esquecendo da idade que tenho.
Já meu dileto amigo, com quem comungo quase a mesma idade. Somos parceiros numa grande amizade. De nome Felisberto. Enviuvado no ano passado. Que já deixou uma penca de mulheres no cemitério. Está já na quinta parceira, rindo da própria desgraça.
Ele dorme de toca. Com sua quinta esposa chamada Toca. Uma mulher bem mais nova que os seus oitenta janeiros. E ele, fogoso como sempre foi. Não perde a mania de dizer que não carece de um remedinho azul para empinar sua pipa. Traça todas que pra ele dão sopa.
Mas, contrariando o dito, a dona Toca. Com quem se amasiou no ano passado. Agora não quer mais saber daquilo que tanto ainda o encanta.
Na hora do vamos ver ela diz e o magoa profundamente: “hoje estou com dor de cabeça. Vira pro lado e dorme.” E Seu Felisberto finge que dorme e pensa naquela outra.
Noutro dia é a mesma coisa. Sem interesse no sexo Toca vai as compras. Usa e abusa do seu cartão de crédito. Paga tudo a vista e não pensa na conta que o velho Felisberto tem de pagar.
Assim passa o tempo na vidinha insossa daquele casal que já não se tolera mais.
Cada um pro seu lado naquela vidinha enjoada. Que só não se desfaz por puro comodismo.
Convenhamos. Felisberto já está amontoando quase oitenta. E dona Toca já passou dos setenta.
Foi numa tarde de sábado que nos encontramos. Senti o velho amigo meio desenxabido.
Amuado pitando um paieiro apagado.
“Filisbino (era assim que o chamava). O que tá acontecendo co cê? Tá bem de saúde? O que cê tá pensando”?
Ele, meio chocho num muxoxo me respondeu: “ah! A vida pra mim tá de mal a pior. A Toca dorme de toca. Num quer nada com a dureza da minha ferramenta de trabalho. Quando eu quero ela não deseja. Vira de banda e dorme. Não sei mais o que faço. Se desfaço o casamento ou passo a andar de bicicleta. Acabou-se o rela rela. Com ela não tem conversa. Toca tá mais interessada na minha gorda aposentadoria do que eu posso render na cama. Sabe o que eu vou fazer? Vou procurar, no rela do jardim, alguém que se possa interessar pelo rela rela na cama. Se acho me desfaço do casamento. E deixo a Toca dormir sem toca. Noutra banda de outra cama. Nada como um capim bem novinho para viver feliz até que passemos ao outro lado.”
Num é que Filisbino tá coberto de razão?