Ainda tenho vontade…

Entre ter e poder mora uma grande diferença.

Por vezes temos vontade de fazer alguma coisa.

Mas nosso desejo se torna impedido por falta de forças.

Quando jovens ainda tínhamos vontade de subir aquele morro. E acabávamos lá no alto em alguns minutos apenas graças aos nossos músculos possantes.

Uma vez ainda meninos a vontade de ganhar aquele presente se torna realidade.  Já mais velhos passamos da realidade a ficção.  Já que nem sempre nos dão aquele abraço apertado.  Tão desejado quando se gosta de alguém.

A vontade nem sem pode ser satisfeita. Ficamos apenas no desejo. Na saudade que nos cavouca por dentro. Nas ternas lembranças de nossa infância.  Passada naquela velha casa que faz parte de nosso passado. Que infelizmente não existe mais.

Ter vontade por vezes nos machuca por dentro.  Já que aquela vontade fica apenas na saudade. Daquela idade que não temos mais.

Tinha um amigo.  Que por não mais existir passou a ser amigo dos tempos idos. De nome ainda por mim lembrado como sendo Moreira.  Que sempre estava ao meu lado quando mais precisava. Tanto nos bons momentos quando nos piores. Que sempre me oferecia seu ombro amigo nas dificuldades. E sempre me dizia: “se porventura de uma desventura tiver de entrar numa briga. Não entra sozinho. É só assobiar e me chamar que estamos juntos pro que der e vier”.

E ele vinha e comparecia. Sempre montado na sua magrela. Aquela bicicleta enferrujada.  Da qual não se apartava nem quando dormia.

O velho Moreira era o rei das gambiarras. Naquela oficina no rés do chão de sua casa ele fazia milagres. Desentortava ferro velho.  E com ele passava momentos de puro deleite. Ele era mestre em fazer telhados em galpões de oficinas tanto de postos de gasolina quanto adonde precisassem. Era pau pra toda obra. Um amigo de verdade que me faz mugir de saudades.

Ainda me lembro de um dia. Quando elezinho perdeu a esposa. E vivia solitário naquela casinha modesta. Quando eu, numa passagem a frente de sua casinha. Tentei levá-lo a uma casa de idosos. Ele entrou por uma porta e saiu pelos fundos.

Moreira e eu já rimos quando na minha rocinha. Foi ele mesmo quem fez um galpão que serviu de garagem para o meu tratorzinho. A tela de um galinheiro foi ele mesmo quem esticou. Até o poleiro onde elas dormiam foi o Moreira quem fez.

Numa noite dormimos na mesma casa. Aquela morada feita com os mesmos tijolos, telhas, portas e janelas da casa do meu avô Rodartino. A casa amarelazul, cenário do meu romance Madest (a Moça Alegre do Sorriso Triste).

Naquela noite estrelada quase não dormimos. Passamos a rememorar lembranças dos velhos tempos que se foram na bruma do tempo.

Moreira se gabava dizendo: “já fui bom naquilo. Agora tenho vontade e não consigo mais. Montava boi sem medo. Agora nem vaca monto mais. Já fui bom de cama. Agora ela só serve pra dormir. Nem isso já que quase não durmo. Tinha uma vontade imensa de trocar de namoradas. Agora pra quê? Se nem a minha tenho mais. Tenho vontade ainda. Mas me falta desejo. Tenho ainda vontade de pular cerca. Capim novo era bom demais. Agora nem isso quero mais. Tinha vontade de viver muitos anos ainda. Agora nem tenho mais. Tinha muita vontade de ganhar dinheiro. Agora o que tenho me satisfaz. Ainda me sobra vontade de sobra para andar de bicicleta. A minha magrela já perdeu a serventia. Agora virou sucata e mora na minha oficina. E como era bom andar nela. Agora nem isso posso mais. Tinha tanta vontade de virar gente grande. Agora essa vontade não tenho mais já que envelheci e me apequenei.”

Agora só me resta a vontade de rever o velho amigo Moreira. Um dia iremos nos rever no céu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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