Pensar e comer cansa

Ah se eu pudesse dar freios aos meus pensamentos. Não pensaria tanto como hoje penso. Daria um ponto final ao meu pensar constante. Iria pedir que meu cérebro desse descanso aos meus pensamentos. E assim ficaria em paz com meu pensar.

Mas não consigo. Durmo pouco pensando no que há de vir amanhã. O ontem ficou para trás. Penso tanto nos entretantos.  Que acabo não deixando minha mente em paz.

Tenho um amigo, de tempos idos, de nome Ademir, um folgazão. Que se trabalhou algum dia na vida não se lembra de quando foi.

Dizem que ele acordava bem cedinho. Por que e para que? Um dia lhe perguntaram.

E ele respondeu de cara lambida: “assim tenho mais tempo para ficar à toa.

A falta de serviço faz misérias na cabeça da gente. Eu não consigo ficar sem fazer nada. A medicina ainda me seduz.  O trabalho não me cansa. O ócio pra mim é o começo do fim.

Mas ele, o Ademir, que tem tempo de sobra para não fazer nada. Passa o dia inteiro assentado a um banco da praça. Jogando dama naquela mesinha fincada num dos cantos da pracinha. De vez e quando passo por ele. Ademir mal me cumprimenta. Pois, entretido que está no tabuleiro. O adversário folgado da mesma forma pros lados não tem ouvidos. Eu passo adiante em direção ao trabalho. Coisa que o incomoda, pois ele nunca teve isso como maior predileção.

Podem dizer que o Ademir está coberto de razão. Trabalhar pra quê? Se um dia a gente vai embora. Deixa aqui embaixo tudo que conquistou em vida. E não se leva nada dessa vida a outra; se ela que ela existe de verdade.

Faz mais de cinquenta anos que aqui estou tentando ainda provar que o trabalho deveras dignifica. E nos faz melhor. Se porventura de uma desventura me jubilar por completo o que farei?  Não sei fazer outra coisa a não ser escutar os reclames de terceiros. Prescrevo receitas. Opero quando a doença enseja. Assim fui ensinado nos bancos da faculdade.  Ainda me sinto apto a enfrentar adversidades que a vida me impõe.

Se um dia me sentir incapacitado desfaço-me do meu diploma. Não o deixo fincado num quadro da parede.  Como um troféu de tempos idos. Dispo-me das minhas vestes brancas. Pena que não posso voltar à juventude percorrendo o mesmo caminho.

Já meu amigo Ademir. Que passa a vida em brancas nuvens. Mesmo que elas fiquem cinzentas. Não está nem aí para o trabalho. Aposentou-se prematuramente sem nada ter feito em vida útil.

Ele talvez me pareça ter razão. Trabalhar pra quê?Juntar dinheiro para ficar mortinho da silva numa cova rasa? Ver pessoas chorarem sem nenhuma emoção no seu velório?

Um dia passei por ele. Como de costume Ademir estava na mesma praça, no mesmo banco do mesmo jardim. Tudo era igual como sempre foi.

Ele, absorto no jogo de damas. Quando me viu passar, apressado. Desgrudou-se do tabuleiro e me disse pachorrentamente: “meu amigo, tens pressa? não se cansa de trabalhar? Pare um cadinho. Assente-se do meu lado. Respire fundo. Olhe as árvores. Ouça os passarinhos. Eu, só de pensar em comer me cansa”.

Depois de então prometo que irei seguir seus conselhos. Quem sabe deixando de pensar tanto consigo descansar um cadinho? E assim vou perder uns quilinhos.

 

 

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