Hoje a minha querida cidade acordou um aninho mais velhinha.
Bem velhinha ela hoje completa 194 aninhos.
Mas, segundo a fonte consultada minha amada Lavras só tem 157 anos como cidade.
Por que essa disparidade?
Em 13 de outubro de 1831 o arraial de Lavras do Funil foi elevado à categoria de vila. Passaram 37 anos e a vila de Lavras foi elevada a categoria de cidade em 20 de julho. Dai essa dualidade de datas.
Pra mim tanto faz. Se ela tem 194 ou 157 a minha Lavras mais parece uma menina andando no rela do jardim.
E que presente melhor ela poderia receber no seu aniversário? Essa chuvica gostosa que tem caído desde a noite passada.
O meu presente a ela não vai ser nenhum brinco de diamantes. Nem ao menos uma pulseira prateada.
Ela não é a minha mãe. E sim uma madrasta que me acolheu de ruas abertas no ano de um mil novecentos e cinquenta e cinco quando aqui cheguei. Vindo de uma cidade próxima de nome Boa Esperança. Não vim por vontade própria. Acontece que meu pai, funcionário de uma casa bancária que tem o mesmo nome de nosso pais, para aqui se mudou. E euzinho vim juntinho. Sem ao menor conhecer como seria a minha amada cidade. Que tem o epíteto justificado de cidade dos ipês e das escolas. Os ipês já despediram as flores. As escolas estão de férias, pois nessa semana quase nada funciona. A não ser eu que aqui continuo a retratar esse cotidiano que tanto me encanta.
As palavras nascem sem que nada possa fazer para conter-lhes o ímpeto de fazer frases e parágrafos. Elas simplesmente vêm à tona enchendo minha mente irrequieta de inspiração.
Não tenho palavras para mostrar o quanto amo a minha Lavras. Desde quando a conheci. Desde quando me mudaram. Só tenho encômios a escrever, em linhas retas. A minha admiração que aqui deixo escrito. Pela hospitalidade que você, minha amada Lavras, recebe os seus viajores, sejam doutores ou iletrados. Tanto nas suas ruas ou universidades. Em suas escolas por onde passei.
Faltam-me palavras para dizer a você, minha amada cidade. Madrasta que a tenho como minha mãezinha. O quando gosto de viver aqui. Cidade afável com essa praça amistosa onde conheci o amor da minha vida. Amo ela com o mesmo amor que dedico a você.
Não tenho palavras para deixar escrito a você minha amada cidade. Que nessa data celebra mais um ano de vida. Uma vida que nunca vai terminar como a minha. Já que somos finitos e você não.
Não tenho palavras para dizer a minha amada Lavras. Como eu lhe quero bem. Não enxergo seus defeitos e sim múltiplas qualidades. Não lhe vejo distante de mim e sim bem pertinho das minhas pernas andejas. E dos meus olhos observadores.
Não tenho palavras para endeusar suas palmeiras majestosas. Que podem perder galhos, mas não perdem a graciosidade de você. Minha Lavras, menina moça, que nessa data se fez balzaquiana.
Faltam-me palavras para deixar escrito a você. Minha amada cidade. Que nossa idade não é a mesma. Alguns anos nos separam. Mas é como se tivesse nascido no mesmo ano quando você foi elevada a cidade. Pois me sinto tão bem aqui que me aprazeria tanto ter nascido numa das suas maternidades. Pois foi aqui que vim menino. Brincando descalço naquela ruinha que daqui se deixa ver a mão esquerda.
Careço de ter palavras para dizer a você, minha amada e idolatrada Lavras. Onde me fiz doutor sem doutorado. Nos idos anos de um mil novecentos e setenta e sete. No começo de minha vida profissional. No exercício de minha profissão. Tentando acertar mais que errar. E agora aqui estou me desdobrando entre a medicina e a tentativa de deixar escrito minhas memórias.
Não tenho palavras para te presentear melhor do que essa crônica que fala de você minha Lavras querida. No dia do seu aniversário. Nessa manhã cinzenta e chuvosa. Onde aqui me isolo para falar de ti.
Faltam-me vernáculos, pois não me sinto erudito o bastante para deixar escrito a você. Como gostaria de ser sepultado num dos seus campos santos. Juntinho aos restos mortais dos meus saudosos pais.
Faltam-me palavras para dizer a você, minha amada cidade. Não foi por escolha minha que vim ler aqui. Mas o meu desejo enfim se concretizou. És tu, minha amada cidade. Onde gostaria de passar o resto dos meus dias. Caminhando pelas suas ruas e movimentadas avenidas. Usando o que tenho de melhor. Minhas pernas andarilhas e meu olhar aguçado de cronista do cotidiano.
Agora, que esgotaram as minhas palavras. Quero te dizer, minha amada Lavras. Continue no caminho do desenvolvimento. Sem deixar pra trás toda a sua beleza de menina moça andando no rela do jardim.
Agora, sem pa Lavras emudeço. Não sem antes deixar escrito e atestado como eu gosto de você minha querida cidade.