Quantas coisas gostaria de ter tido, ou sido. Desde minha infância perdida até nesse momento onde me encontro. Em parte muitas delas foram satisfeitas. Outras ficaram apenas no desejo.
Em criança, meninozinho em fase de crescimento. Gostaria de espichar mais um cadinho. Mas até hoje não consegui passar de um metro e setenta. Creio estar encolhendo. Em verdade penso que a altura de uma pessoa se deveria medir desde o alto dos sobrolhos até onde a testa termina. Dai a vantagem que levam os carecas. Pois neles o cabelo falta. Pela minha assertiva os calvos são os maiores, de quem as mulheres gostam mais.
Em menino queria ter aquela patinete onde me equilibrasse em duas rodas. Depois de tombos sem querer querendo passei a desejar uma bicicletinha de rodinhas cor de rosa. E foi nela que ganhei muitos galos na testa. E puxões de orelha do meu pai preocupado com minhas travessuras de moleque artioso.
Quisera ter, já na maior idade, à procura da minha primeira namorada. Cabelos lisos e um topete vistoso. Pena que com o tempo passando, com os anos se amontoando em meus costados. Aquele cabelo castanho, farto, aquele topete bem feito a poder de escova e secador. Foi caindo, deixando minha calva ancha como bola de bilhar.
Como gostaria de ter, já estudante de curso secundário. Aquela linda garota, musa dos meus devaneios. Pena que ela não me dava bola. Quando a perdi para um colega passei a me interessar por outra. E tantas outras passaram pela minha vida.
Foi ontem o acontecido.
Estávamos numa farmácia. Era um dia feriado em nossa cidade. Tudo estava fechado. Salvo onde se vendem remédios.
Entre os balcões se escondia um molequinho. Travesso como um dia fui.
Durante a espera tentei falar com elezinho. Ele fugia ao meu encontro. De vez em quando nos víamos. Penso que sua mãe era uma das atendentes naquela loja de remédios.
Num dos nossos encontros perguntei seu nome. Ele, em voz baixa me disse: “meu nome é Davi”.
Depois de sua fala inicial tornamo-nos mais íntimos. E o Davizinho me perguntou, meio ressabiado: “e o seu? Como você se chama”?
Não me fazendo de desentendido respondi: “o meu é Golias”.
Davizinho passou a ser meu amigo. Já não se escondia tanto entre as gôndolas da farmácia.
Meia hora se foi. Minha esposa ainda confabulava com a farmacêutica. Interessada no preço de alguns medicamentos.
Acabei por perguntar de novo ao Davizinho o que ele gostaria de ser quando crescesse mais um cadinho. Elezinho, olhinhos argutos e inteligentes me respondeu: “eu quero ser um astronauta”.
Antes de sair Davizinho apertou a minha mão. Pegou o capacete da moto de sua mãe e montou na motocicleta. E não é que ela avoou aos céus?
Tentei ir junto. Mas não consegui, pois não tinha outro capacete.
Agora, pegando carona na inocência do Davizinho.
Agora que já não sou mais criança. Já deixei minha infância anos atrás.
Penso que gostaria de ter sido também um astronauta. Pegaria carona no rabo de um cometa e voaria até onde minha imaginação me levasse.
Quisera ter a inocência do garotinho Davi. Que acreditou, piamente, que eu fosse de fato Golias.