Mesmo contra a correnteza pretendo nadar

Quem ainda não experimentou, um dia, quando mais afoito e jovem, num dia de forte calor, entrar na margem de um rio manso, de águas aparentemente tranquilas, dar umas braçadas, ir devagar perdendo os pés, a margem do rio desaparecia visivelmente aos olhos, entrar numa corredeira inesperada, mover os braços e pernas para dali sair, de repente, subitamente, perceber que as ondas formadas pelo rio caudaloso o levavam para mais e mais distante da margem, um rio que se tornava cada vez mais profundo, e você começou a pensar na morte, viu as braçadas mais e mais infrutíferas, de novo se despediu da vida, quando as marolas ligeiras entravam-lhe boca adentro, soltava golfadas de ar, numa atitude desesperadora, pressentindo não dar conta da missão que se tornava mais e mais impossível que era nadar de volta à margem segura. Aí, neste ponto da curta experiência de nadar contra a corrente aconteceu um fato inesperado, um barqueiro pescador percebeu-lhe o desespero, indo ao seu socorro, salvando-o da morte certa. Uma vez aportado na margem oposta de onde adentrou nas águas aparentemente seguras do rio, ao ver o céu azul, o sol brilhar em plena magnitude, entrou-lhe peito adentro uma lufada de ar, em verdade era o seu renascimento, uma sensação maravilhosa de perceber novamente os prazeres da vida, embora muitos não os imaginem, só pensam em infortúnios, olhou de novo as águas do rio, fechou os olhos, lembrou-se de quão bela lhe era a existência, e resolveu dar novos sabores à própria coisa que se chama viver novamente.

Assim ocorre com tantos de nós. Não será preciso quase se afogar nas águas de um rio qualquer. Nem ser resguardado da morte por uma pessoa amiga ou desconhecida. Nem ver a margem do rio entrar de novo em suas retinas cansadas, ou angustiadas, de tantos fatos e infortúnios que fazem parte de nossa existência terrena.

Imagine se a vida fosse apenas feita de episódios florais? Ou entremeada de sorrisos lindos? Ou ainda vivida de bons e indeléveis momentos de apenas alegria, satisfação, vendo pessoas felizes a sua volta? Como saber, compreender, distinguir as desventuras, se não as conhece? Para que se entenda o sabor da felicidade, quão doce ela é, mister se faz passar por momentos exatamente opostos. A tristeza só se perde na distância quando a alegria sobrevém. A paixão acaba na mesma mão que em seu lugar aparece o amor. Em todas as suas manifestações.

Eu mesmo, aos sessenta e sete anos bem vividos, existência velha conhecida por muitos, principalmente quem aprecia uma boa leitura, e passarinhou os olhos algumas solitárias vezes por meu site recheado de crônicas novas, uma a cada dia, mais de uma, às vezes, remei, fazendo os braços de remos, em águas nada serenas.

Essas mesmas águas de repente se agitaram. E logo se aquietaram, de novo.

Quantos e quantos dias acordei sem ter dormido direito. Não foram os sonhos que me impediram de fechar os olhos, nem de dormitar durante a noite escura. Não me lembro, nestes anos todos de sobrevivência, neste mar tormentoso que se chama vida, de ter sonhado uma única vez. Nem ao menos minhas noites foram povoadas de pesadelos. Sonho apenas quando em vigília, acordado. Durante os dias, não aprecio a noite, acho um desperdício perder tanto tempo na vida tendo a escuridão por companhia.

Meus sonhos, tantos que são, tento materializá-los, fazê-los vivos. E aprendi, na minha existência fecunda, que não se deve embarcar em sonhos numa empreitada solitária.  Devemos convidar outras pessoas, se possível parecidas a gente, para entrar nesta canoa linda a qual nomeamos vida.

Comecei meu texto falando de nadar contra a correnteza. E quase a morte me fez companhia, quando nadava num rio antes sossegado que passou a caudaloso.

Agora, narrando um naco de minha vida, não sei quantos anos mais eu a terei nos braços, os mesmos braços que sabem nadar com competência curtas distâncias, apenas, tentando incutir na mente de alguns dos meus leitores a minha experiência, em vida, não em morte, pois a ela ainda não fui apresentado, como seria o outro lado da vida? Seria um mar azul, rosa, ou vermelho? Não quero fazer-lhe uma visita, nem fugaz, muito menos prolongada. Melhor ficar aqui enquanto me permitirem caminhar, correr, nadar, fazer tudo que aprecio, e, quando não mais apreciar a existência, ao perceber que um velho decrépito se apoderou de mim, quando sentir que meus sentidos perderem a validade, quando meu tirocínio se for, como acontecido ao meu querido e saudoso pai, de véspera um homem brilhante, admirado por todos que o conheceram antes que o malvado senhor Alzheimer o capturasse, fez dele refém, até os derradeiros dias quando ele fechou os olhos em definitivo em meus braços impávidos de médico, como me foi duro participar da sua despedida!

Confesso, no caso do falecimento de minha progenitora, ao acompanhar-lhe os últimos momentos sofri com a mesma intensidade. Foram circunstâncias diferentes.

Ela caminhou, amparada por mim, até o centro cirúrgico da Santa Casa. Estava aparentemente em boa saúde. Um tanto ofegante, mas respirava. No seu caso a morte não mandou a sua carruagem negra esperar na porta de fora da minha residência, onde passei momentos felizes ao lado deles dois. Mas no caso do meu pai a morte deveria ter chegado antes, para evitar-lhe o sofrimento, e de todos da família, já que seu estado era terminal.

Quantas e quantas vezes nadei contra a corrente. Não de um rio manso, ou de outro agitado, como me confesso ser.

Mas acabei chegando a outra margem. Essa outra margem a chamo de vida. Uma margem que nuns dias se distancia, noutros ela se faz mais fácil de chegar a ela.

Por tudo isso, deixo aqui um recadilho, a todos que passarinharam uns minutinhos breves a ler minha crônica de agora cedo.

Não se amofinem quando a vida for como as águas afoitas de um rio, e vocês, ao tentarem nadar, não conseguirem alcançar a outra margem, ao outro lado, a um porto seguro.

Mesmo ao sabor da correnteza , quando tudo parecer perdido, quando o fôlego estiver resumido, nadem, esforcem-se, que um dia, que seja logo, chegarão lá…

Deixe uma resposta