Não vejo a hora

Inda cedinho olhei no relógio.

Nessa segunda feira, meio de dezembro, meu relógio mostrava cinco horas exatas.

A mesma hora costumeira acordei. Aqui chego sempre antes das seis da manhã.

Que seja nas segundas até o apagar das luzes das sextas. Sábados e domingos me reservo no direito de tirar uma folguinha desse meu computador madrugão. Não sei se ele sente a minha falta. Como sinto falta de escrevinhar sempre.

As horas passam e o tempo não fica atrás. Eles caminham juntos e não retrocedem.

Ontem mesmo tinha setenta e cinco anos. Agora mais um foi inserido no meu calendário.

Avizinha-se o natal. O ano logo fica velho e adentra um ano novinho em folha.

Quantos anos os anos têm? Diz quem entende que se somam dois mil e vinte e cinco. Isso se contarmos depois de Cristo. Antes já se passaram mais tantos anos.

Não tenho o costume de ver as horas. Sei que elas passam atabalhoadas. As minhas horas aqui passadas somam-se a tantas que perdi a conta. Não mais conto anos, nem ao menos desenganos. Simplesmente vivo o agora sem pensar no que me reserva o futuro. Dizem, com muita sapiência, que ele a Deus pertence.  Mas não me olvido do passado. A ele dou ouvidos me lembrando das lições que aprendi dos meus saudosos pais. “Paulinho, pode brincar na rua. Mas não se esqueça de fazer as lições da escola. Tá na hora de tomar banho. Lave suas orelhas pra escutar melhor. E não se esqueça de prestar atenção no que diz a professora. Ela vai te ensinar a tabuada. Números são importantes. Assim como as letras têm seu sabor gostoso.”

Agora, já passando pela aurora da minha vida. Já vivi o bastante e pretendo viver muitos anos mais. Não vejo a hora de chegar aqui bem cedinho. Dar de comer aos meus peixinhos. Tomar aquele cafezinho expresso coado na minha máquina de fazer café. Ligar esse computador que dorme pensando no que vou escrever hoje. Já escrevi tanto e almejo que minha inspiração não me deixe jamais.  E não vejo a hora de o tempo passar. A hora do almoço chegar.  Ver a tarde se debruçar em noites e a madrugada me dizer que é chegada a hora de começar um novo dia.

Não vejo a hora de ver outro livro nascer. Dos tantos que já publiquei. Já são mais de vinte e pretendo, no ano vindouro. Editar mais um. E que ele seja do agrado de vocês, meus leitores, como foram os demais.

Não vejo a hora, nem o dia, de ver meus netinhos criados. Futuros doutores ou pensadores. Não sei se lá chegarei. Fazendo as contas hoje conto com quase oitenta. Elezinhos os três mal chegaram aos dez. Se por acaso somar mais dez estarei noventando. Tomara que em mais dez anos eu não me sinta incapaz de estreitá-los em um abraço apertado. E vê-los compenetrados receberem o canudo de uma profissão qualquer. Que pode ser a minha ou outra os façam felizes como eu pretendo ser.

Não vejo a hora de chegar a outras infindáveis horas. Que pra mim o relógio caminhe devagar. Que me permita divagar sobre as coisas e loisas que me rodeiam. Que nunca perca a inspiração. Que pra mim tem o sabor docinho de jabuticaba madurinha. Ainda me lembro de minha mãezinha quando dizia: “Paulinho, não engula os caroços. Eles podem entupir seu intestino. Chupa as jabuticabas, mas deixe algumas para os marimbondos e abelhas. Eles têm os mesmos direitos de provar essas doces iguarias”.

Se disser que não vejo a hora de me aposentar de vez minto. Pretendo continuar desse mesmo jeitinho. Acordando bem cedinho. Recebendo aqui mesmo meus pacientes. Dando vazão a inspiração que me cavouca por dentro. Retratando o cotidiano. Dando cores ao cinza. Em pinceladas escritas nesse meu computador sofredor.

Não vejo as horas passarem. Nem o tempo mudar de sol a chuva. Vejo sim as horas de agora. Já passou mais de meia hora que aqui estou. E agora, seis e trinta e cinco da manhã, acabei de terminar essa crônica. Das tantas que já deixei escritas.

Não vejo a hora de ver chegar a outra hora. A outra tarde que se transforma em noite. Que vai se vestir em mais uma madrugada. Que vai dar começo a outro dia. Dos tantos que ainda pretendo ver nascer.

 

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