Ainda bem me lembro dos derradeiros anos do meu saudoso pai, do meu avozinho querido, dos dois tenho sofridas recordações, coisas que sem ao menos esperar elas voltam como os passarinhos nascidos do ninho, mesmo ensaiando o primeiro vôo solo, deixam o lar com suas asinhas asas titubeantes, como um dia vi, naquele fim de tarde que muito me marcou, fez-me sentir as suas ausências doidas, antes eram apenas dois ovinhos pequetitos, dali emegiram dois beijaflorzinhos filhotes, feericamente alimentados pelos pais, não saberia identificar qual deles seria o pai, qual a mãe, não interessa, tanto o pai, quanto aquela que deixou dois ovinhos na folha de ráfia em aparente segurança se desdobravam no cuidado dois dois filhotes que, uma bela tarde de verão, ao me achegar ao ninho dos beija-flores presenciei seu debut em direção aos céus, em seus primeiros vôos solitários, talvez ensejando um vôo curto, dirigido pelas asas de Deus.
Nunca mais presenciei os dois filhotes de beija-flores nas cercanias do meu lar. Jamais, até no instante em que escrevo, na manhã do dia de um domingo com sabor de feriado, dei de olhos furtivos nalgum deles quatro. Teriam, pais e filhos, se juntado novamente? Ou seria mais uma família de beija-flores cada um pro seu lado, osculando o néctar das flores, o mesmo sumo sagrado que as abelhas abelhudas lançam mão no fabrico de mel? Creio vou continuar o resto dos meus dias a busca de tal indefinição. De tanto procurar, e não a encontrar, acabarei por não descobrir quem sou eu? Se um profissional da medicina que me cativa tanto, se um escrevinhador contumaz, se um corredor trapalhão, que não anda de carro a não ser em situações especialíssimas, quando a carga carregada na caçamba da minha pratinha valente meus ombros resistentes excede o peso imprevidente, quase a exemplo do que Ele carregou a cruz até ser sacrificado por quem o considerava um reles impostor, à hora do martírio final, e ali, no seu cruzeiro, do mesmo lado de um sentenciado, ladrão comum, ambos sentiram o aperto do laço, a coroa de espinhos no entorno das sua fronte sábia, o sangue escorrendo-lhe em bicas pela face exausta, até fecharem os olhos tranquilos, pois Jesus Cristo acreditava na reencarnação, como não ocorre dentro do meu eu.
Ainda sobre os últimos anos de vida do meu pai, quantas e quantas vezes fui intimado a lhe retirar das mãos antes acostumadas a dirigir um carro pequeno, como grande lhe foi o passado curto, foram apenas setenta de sete anos, poderia ter sido muito mais. E ele voltava ao meu consultório de médico urologista, ainda o sou em outra sala alugada, aqui bem perto, tentava subtrair as mesmas chaves do auto das minhas mãos. Por vezes ele conseguia, e teimava em conduzir o seu kazinho cinza, todo quebrado, quase parando, no entanto meu pobre pai, já refém do mal de Alzheimer insistia em ser capaz de tanto dirigir sozinho, como andar pelas próprias pernas inseguras como foi o primeiro vôo dos dois beijaflorzinhos, há poucos dias emersos do ninho.
Deixando as lembranças no baú de guardados, no velho sótão que não existe mais, a não ser nas minhas lembranças de criança que ainda hoje teimo em não crescer, ontem aconteceu algo que me fez pensar na velhice, fosse na decrepitude dos anos, ou, em verdade, na senioridade que alcancei. Amo o escurinho do cimem. Adoro adquirir filmes piratas num amontoados de barracas, onde passo sempre, às quartas-feiras, quando meu amiguinho Demétrius trás, de São Paulo, novos filmes de pouco mostrados, em primeira exibição, nos melhores cinemas do país inteiro, em primeira demão. Compro quatro, levo quantos quero, devolvo os que não saem à qualidade do meu bluray, um DVD de qualidade impar.
Na semana que deixou no ar a sua cara deslavada um sorriso de mofa, talvez ao calor de verão, assim o fiz. Ainda não assisti nem ao menos a metade das últimas aquisições. Nas recentes escolhas se mostraram vários filmes, alguns candidatos ao Oscar, tais como: Lala Land, A Chegada, Um limite entre nós dois, Estrelas Além do Tempo, La La Land, Lion, Uma jornada pra casa, Manchester a beira do mar e o grande vencedor do ano –Moonlght.
Vi apenas parte deles. La La Land estou ainda no começo.
Ontem, sábado quente, depois um dia maravilhoso à beira da represa do Funil, onde meu bote inflável quase afundou, acabou a bateria, tive de usar os braços movimentando os remos, enfim aportei do outro lado da represa, à procura da casa do meu amigo Benicio. Era ali o meu almoço, que fome me batia no estômago vazio!
Dois rapazes, oriundos da terra dos meus parentes, os Alvarengas, aparentados da santa vó Belica , esposa do meu avô Rodartino Rodarte, levaram-me ao meus pouso final. Com que voracidade de lontra faminta fui às panelas da casa do Benício, aposentado da UFLA, que anda na esteira o LTC a passos de tartaruga carunchada, de nadadeiras quebradas, enquanto eu corro lépido sem uma gota de suor se desprender de dentro de mim.
Deixei a casa do amigo aposentado da Ufla em busca do bote inflável. Agora de bateria arriada, faltava carga para mover-lhe o motor. Tive de remar uns bons dez quilômetros a fim de atracar-me a outra margem perto, não tão próxima assim, que daria na pequena península onde morava o querido Tião do Cervo , que, num passado perto veio a falecer deixando no seus rastro uma longa trilha de amor e carinho aos filhos, netos, bis, não sei se ele já tem tataras, a puxar-lhe a barba branca, um papai Noel genuíno tal e qual o bom velhinho que costuma iludir as crianças, uma delas sou eu. Ao chegar à cidade, já era quase noite, noite quente, estrelada, fui dar uma escapadela ao cinema do Shopping Center, pra aonde sempre vou, na ingênua intenção de assistir aos lançamentos de última geração, quase em exibição nas grandes salas esparramadas Brasil adentro.
O cartaz da noite era mais um épico de nome King Kong, laureada história do enorme gorila que se apaixonou por uma moçoila loura e linda, a qual um dia foi arrebatada dos braços dos desbravadores daquele ilhota perdida nos cafundós do Judas, onde as mortes são tantas e tantas que nem a minha memória sofrida dá conta de se lembrar.
A sessão teve começo as vinte e uma e quinze minutos sem tirar nem depois. Cheguei ao cinema faltando cinco exatos instantes.
Apenas me lembro do lanterninha me indicando o lugar. Ao meu lado assentaram-se dois rapazolas, amigos novos do LTC.E foram apenas estas as minhas lembranças impuras.
Ao fim da sessão, exausto que estava, o filme do macacão apaixonado pela atriz principal passeou em brancas nuvem de algodão. Era quase meio da noite quando o jovem, diligente funcionário do Cine A, veio até onde eu estava, dormindo o sono dos anjos, de lanterna acesa na mão, com evidentes sinais de preocupação, e disse em uma só voz de inquietação: “o senhor precisa que o leve ao seu carro? Tá tudo bem?”
Levantei-me da poltrona macia, todo meu corpo se achava duro, tudo mesmo. Até agora, dez e vinte da manhã de domingo, nem sequer imagino qual o destino final do King Kong. Ou da heroína do filme. Teriam eles se casado? Tiveram filhos? Simiescos ou humanóides?
Não sei como voltei ao meu lar doce residência. Sei que fui na minha pratinha valente. Recordo-me que urinei logo acima do estacionamento da parte de trás do Shopping Center. Sem ninguém como testemunha ocular do fato retrato da urgência miccional de um idoso, em vias de avoar aos céus, a procura dos meus entes mais caros, dos parentes que já se foram.
Seria esse cochilo, no escurinho do cinema, o fato de não atinar que o filme havia terminado, sinais de decrepitude? Não sei, será? E o King Kong, e a mocinha o filme, por favor me coloquem a par da trama inteirinha, antes que me torne um sênior vítima de mal de Alzheimer, a mesma moléstia ainda incurável que levou meu pai.