Essa máxima, dita pelo padre à frente dos noivos na hora de dizerem o sim, nem sempre acontece. Nos tempos de agora o felizes até que a eternidade chegue, nesse casa e separa ao qual nos acostumamos, virou aquela novela que espicha mais e mais, até que a Globo resolva encenar outra em seu lugar, mais curtinha, por causa do tal ibope que não subiu, ao revés, despencou ao mais baixo nível do que a publicidade acusou, nestes tempos de crise enfadonha que nos assola a paciência, um dia a perderemos, como quando o marido traído deu de cara com outro sujeito desfrutando-lhe a beleza da linda esposa, que o havia traído com o padeiro da esquina, com o tintureiro que não existe mais, até com o jornaleiro que virou notícia do jornal.
Por tudo isso, e mais alguns motivos, não creio no sermão do padre na igreja, já no altar enfeitado com flores mil, antes dos noivos dizerem o sim. Melhor seria se o pároco, ao invés de pronunciar o “até que a morte os separe”, ele dissesse: “cuidado com o camburão. Ele pode vir buscar o quase casado, por falta de pagamento da pensão alimentícia que deve a outra, pobre infeliz, que até hoje espera o marido na cama ocupada apenas pelo cão que ele deixou, no entanto o cachorro é ele”.
Já disse, e repito: “se entre cães encontrei amigos, entre os de minha raça incontáveis vezes me frustrei”. Outro dito que não me pertence, mas dele peço empréstimo, é este: “amo as vacas, mas não posso dizer o mesmo sobre os animais que as possuem”.
Já tive cães. Gatos não fazem parte da minha predileção. Já tive vacas, hoje elas foram vendidas, baratinho, pois adoro-as, mas não sei lidar com elas. Não fui e não pretendo ser pescador, apenas peixinhos aquarianos nadam felizes ao derredor de mim doutor. Nunca espalhei anzóis na superfície do meu aquário. Sei que de quando em quando morre um. Como hoje aconteceu. Mas, sei que todos iremos partir, mais cedo ou mais tarde, que a carruagem negra da morte se apiede de minha alma intranquila, e fique estacionada bem longe do lugar onde escrevo, que por sinal é o mesmo onde exerço minha profissão de médico urologista.
Não mais vou cansá-los nomeando tantos e tantos cães que passaram em minha vida, desde criança até os dias de hoje. São tantos que nem me recordo quantos. São mais de dez, muito mais.
Em tempos de agora, não posso dizer que seja na aurora da minha vida, já que minha infância querida não volta mais, nem desejo virar criança de novo, pois daria uma enorme despesa a minha linda família, só em papinha, como como hoje, gastariam mais de um salário mínimo, em fraldas duas dúzias não seriam suficientes, em babadô três dezenas de cueiros não seriam nem o mínimo, nem o máximo, assim desencaminha a desumanidade entre trovões e tempestades.
O cão, nomeado de nome Pirunguinha, epíteto recebido em honra e glória a um amigo, há coisa e mais ou menos três meses recebeu, não era o dia do seu aniversário, ele coleciona quase ano e meio de vida canina, um border collie hiperativo, como seu dono doutor, uma linda cadelinha, da mesma raça, preta e branca, com o mesmo estilo da coleira branca, os dois pareciam gemelares, o macho é um pouquinho maior que a fêmea.
No começo o Pirunguinha desdenhou da cadelinha. Enquanto o meu amigo serelepe Pirunguinha ficava caçando passarinhos, latindo desatinadamente em direção às pobres avezinhas aladas pousadas nos galhos das árvores, a menina, de pelo luzidio, tinta em preto e branco, um tanto quanto menor que ele, seis meses mais jovem, olhava o macho com ares de quem diz: “ um dia vou te amar, e vou ser correspondida, nem que seja um dia”.
Num dia de noite, quando ali passei a escrever, lugar ideal não apenas para viver um romance, como para terminar um, do lado de fora da casa beira lago, olhando pela janela envidraçada, percebi, de relance, Pirunguinha e Valquíria, nome dado à cadelinha, roçando os focinhos, como se fosse um beijinho frio.
Fiquei a olhar, enquanto matraqueava o teclado do meu note, febrilmente, o amor renascer entre os dois cães. Não sei o que dizia o Pirunguinha à doce Valquíria. Talvez fosse este o diálogo: “ Meu amor, incipiente, amor. Antes, quando você chegou ao meu jardim, uma flor de cor esquisita, nunca vi flor preta e branca, não fui com seu focinho. A minha solidão era tamanha, tão grandiloquente, que sonhava em ter uma feminha perto de mim. Quando avistei você chegar, trazida pelo meu querido dono, o doutor dos homens, médico urologista, se quiser conhecer quem ele é procure no seu site – www.paulorodarte.com, confesso, sem temor ou desamor, você não era bem aquilo que eu queria. Era uma linda menina, não da raça humana, e sim da mesma espécie que a minha. Mas você chegou, de mansinho, cadinho a cadinho, com sua doçura doce, acabou de vez não apenas com a minha solidão, assim como minha solteirice desapareceu, num farfalhar de asas de dois beija-flores apaixonados. Caí de amores por você, um pouco tarde, confesso. Mas caí, de quatro patas, se as tivesse mais eu cairia de cinco, seis, ou quantas mais fossem”.
Talvez não tenha sido dessa maneira que a linda Valquíria se expressou: “Meu amor, doce e derradeiro amor. Você, desde quando aqui aportei, enjeitada e maltratada pela minha ex-dona, que batia o cabo da vassoura em mim, tenho no meu crâneo abaulado sinais evidentes da tortura, logo vi que eu não seria a sua musa inspiradora. Você, pelo jeito que latiu contra mim, parecia que sonhava com uma cãozinha da raça labrador, branquinha como o outro cão educado que hoje repousa enterrado numa cova rasa, perto do muro de pedra que dá para o lago plácido da represa de Camargos. Mas, como eu logo me apaixonei, não pelo seu jeito estabanado, por seus folguedos de criança artiosa, latindo aos pássaros avoantes, tentando abocanhar as marolas feitas pelas ondas ariscas das águas verdes do lago de Camargos, no bairro Simone, o qual aprendi a amar, como amo a você, desde a primeira vez”.
Hoje, quando descia do almoço, em direção a onde estou, o celular tilintou. Do outro lado da linha minha esposa, com a voz embargada pela emoção, restos de choro pensei ouvir, ao celular, quase desatei a chorar. Só não o fiz por pensar que sou homem, e macho não deve chorar.
“Paulo, o Valdir, amigo homem do Pirunguinha e da Valquíria acabou de me ligar, dizendo que o amor do Pirunguinha, a querida border collie preta e branca foi encontrada morta num terreno perto da sua casa. Ele suspeita que uma serpente venenosa a mordeu. O fato se deu de sexta para sábado, e só hoje ele teve a coragem de contar a gente”.
Na hora desliguei o aparelho andejo, como eu. Com um embargo no fundo do peito cheguei a onde estou.
Foi quando pensei, naquela linda noite perto, quando em Camargos passei a contar as estrelas. Nos trejeitos carinhosos entre os dois cães quase iguais. Em sua nova família que me poderia dar mais netos canídeos, já que do mesmo sangue meu já tenho o Theo.
Hoje a Valquíria não mais existe. Apenas a sua lembrança, de cadelinha mansa, carinhosa, carente, afável e obediente, jaz, não apenas nas minhas lembranças ternas. Assim como deve doer na carne, coberta de pelos luzidios do amigo Pirunguinha, como ele deve estar sofrendo a perda fatídica do primeiro e único amor da sua vidinha curta.
Tanto um, quanto o outro, Pirunguinha e a extinta Valquíria, não fazem parte de nossa existência, neste mundo de quatro patas, administrado por Deus.
Nem tempo tiveram de ser felizes, pra sempre? Muito menos terei eu…