Melhor esquecer

Por vezes a memória nos atraiçoa.

Gostaríamos de lembrar fatos do nosso passado e somente o presente nos vem à tona.

Mas isso não acontece no meu caso.

Não que esteja no ocaso da minha vida. Aos setenta e cinco pretendo viver muitos anos mais.

Voltando ao passado minhas recordações não param de me assediar.

Aos cinco anos para essa cidade me mudei. Não apenas eu como meus pais amados.

Quem era eu, com meus cinco aninhos, para decidir pra onde iria. Nem escrever ainda podia. No máximo fazia birra contrariado. Quando na minha festinha de aniversário não tinha bolo nem aqueles balões coloridos. Que estouravam de tão cheiinhos. Assoprados a plenos pulmões por minha tia querida, Deus a guarde nos céus tia Cida.

Não me esqueço daquela casa, naquela rua de tantas lembranças ternas.

Ela tinha uma linda varanda que olhava a rua Costa Pereira como se estivesse suplicando: ”por favor. Não me tirem daqui”.

Mas ela foi demolida; tijolo por tijolo, janelas, portas, não sobrando telhado sobre alicerces.

Eu ia catando sobras da construção.  Quarto por quarto durante a demolição. Livros foram levados em minhas mãos.  Retratos em porta retratos, velhos álbuns de fotografias, foram os que sobraram daquela casa onde passei minha infância e parte da juventude.

Não me esqueço dos derradeiros dias do meu pai.  Ele se despediu da vida em meus braços inermes de médico que nada podia fazer naquele momento a não ser orar. Foram três ou mais anos de sofrimento. A minha mãe foi sua companheira desde o começo da vida de casados até o instante final.

Não me esqueço também de quando levei minha querida mãezinha ao hospital.  Estava operando naquela hora fatídica. Naquela casa cheguei em menos de dez minutos. Num carrinho azul. Um fiatizinho do meu pai. Que usava naqueles tempos idos. Ainda me lembro das suas últimas palavras: “meu filho. Será que vou morrer”? E ela se foi três anos depois do passamento do meu pai.

Não me esqueço de quando recebi o diploma do curso primário. Na mesma escola onde dois dos meus netos estudam. Como também não me esqueço da minha primeira professora. Dona Beliza ainda leciona nas minhas doces recordações.

Da mesma maneira não me olvido jamais de quando aqui cheguei de volta de Madrid sem ter visto uma tourada sequer.  De quando em vôo solo operei pela vez primeira uma cirurgia de próstata por via uretral. Fui o pioneiro na região nessa operação. E como minhas mãos tremiam. Felizmente tudo correu bem.

Não me esqueço do nascimento do meu primeiro rebento. Foi um menino lourinho que espichou mais um cadinho do que seu pai. E ele se tornou um grande tenista. Que a advocacia tirou das quadras. E agora me tornei torcedor desse esporte que admiro tanto; bem mais que o futebol.

Não me esqueço nunca da minha pequena jornalista. Que parece ter herdado o amor pelas palavras como seu pai.

Não me olvido nunca do nascimento dos meus netinhos. São três na presente data. Penso que não terei mais nenhum garotinho a me fazer de cavalinho.  E como me divirto nas suas companhias . Finjo ser ainda criança que um dia fui.

Agora, lembrando-me de coisas boas. As ruins tento esquecer de vez pra sempre.

Por mais que queira não me esqueço nunca do meu passado.

Como jamais irei me esquecer daqueles que me deram a vida.  A eles a minha saudade.  Na certeza que um dia iremos nos encontrar de novo. Nalgum lugar especial.

Mas por vezes me pergunto: “como seria o céu”?

 

 

 

 

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