Amargas verdades

Aquela meninazinha esperta, boa aluna, quando passava pela porta da sua escola, bem antes de ela abrir, lá estava ela lendo a bíblia. Devorava os versículos todos com tal voracidade que me causava espanto. Hoje mesmo, novembro em sua metade, esse fato se deu.

Não sei qual o seu nome. Suas feições denunciavam alegria. Ela sempre me pareceu de bem com a vida que a ela Deus fez presente.

O que fui informado por uma professora, minha conhecida de antes, quando eu me insinuei na sua escola para falar aos alunos sobre Urologia e literatura, é que elazinha era aluna aplicada, tirava sempre boas notas. No entanto sofria bullying dos colegas por apresentar feições bizarras. Era escurinha como jabuticaba madura. Era fina como um fio de cabelo, deixando os exageros de lado. E não era tanto atraente como as demais coleguinhas, não tão magricelas e desprovidas de encantos como ela.

Para os colegas do sexo masculino ela não passava de uma boa aluna. Um tanto quanto evasiva. Distante, focada apenas nos estudos e nunca, a hora da recreação, ficava no pátio da escola a folgar com todos que ali permaneciam até a hora ingrata do badalo do sino. Ela preferia ficar na sala dos livros a devorá-los sofregamente. Não seria demais comentar que o seu predileto era o livro das sagradas escrituras.

Talvez por essa razão ela tenha sido alcunhada de Versiculinha. E por outros ilustres bulidores de Versiculinha Salmo do Livro Santo.

Mas a nossa personagem ficava insensível aos comentários maldosos. A ela não importavam chacotas. Pois, segundo o que me passou sua professora de português o que a ela interessava era trilhar o caminho das letras. Era ser escritora. Carreira pouco disputada nos tempos de hoje. Pelo menos nunca percebi, em minhas pesquisas perguntonas, quando passo defronte a jovens, de mochilas às costas, e a eles indago: “o que vocês querem ser ao crescerem?”, eles me retornam com respostas como estas: “médicos, engenheiros”, padeiros são minoria. Nenhum deles deseja ser escritor. Professores ainda escuto de uma parcela ínfima dos questionados.

O fato é que a nossa amiguinha Versiculinha me passou, hoje, bem antes dessa hora, agora são exatas sete e trinta, uma imagem de pessoa alegre. Uma vez que a deixei assentadinha à porta da escola, ao olhar para trás a impressão se desfez. Ela enterrou a pequena bíblia na face. E creio que a vi se debulhar em lágrimas.

Agora, perto das oito, ao me lembrar da pessoinha desprovida de encantos que porventura poderiam causar espanto e cobiça aos machos, despertar neles desejo e luxúria, foi que, graças ao meu sexto sentido aguçado, pensei no título dado ao meu texto de agora.

Um dia atrás li, não sei em que lugar, uma frase para mim especial.

“Nem sempre o sorriso que trago é a vida que levo”.

Quando passarinhei os olhos na pessoinha cabisbaixa da Versiculinha, ao vê-la enfiar o rostinho alegre entre as páginas de sua bíblia, com aquele sorriso de Mona Lisa, foi que sofismei sobre isso: o falso sorriso que vi brotar na face da amarga estudante, por mim epitetada de Versiculinha, considerando-se o que acontece com muitos de nós, que nem sempre o sorriso que a gente trás no semblante é a vida que a gente leva, de fato é uma amarga verdade.

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