Branquinho e o pé de jabuticaba

Ele nasceu num dia quando nuvens brancas e um céu azul brilhavam no alto. Nenhunzinho sinal de chuva por despencar. Embora na roça onde o menino nasceu a maioria já havia arado a terra, semeado sacos e sacos de sementes de milho a preço altíssimo, depois de inserir ao solo fraco mais adubo cinzento, a espera do milagre chamado chuva. Que tem o dom de tornar verde a pastaria, colorir da mesma cor a copa das árvores ali nativas, encher os açudes de água limpinha. Enfim, tudo ao derredor sorria à volta das águas milagreiras, com um sorriso antes desgracioso, para depois o mesmo exaltar o brancume dos dentes perfeitos, como quando a gente faz uma visita anual a um bom dentista.

Foi neste cenário que despontou do ventre da mãe, uma linda mocinha caída de amores pelo primeiro namorado, um lindo pimpolho. Com ele também a linda menina foi o primeiro caso de amor até então. Ambos tinham em suas carteiras de identidade quase a mesma data de nascimento. A moça era menos um ano a menos que o promissor rapagão.

Theo nasceu branquinho como flocos de algodão. Seu avô materno, marinheiro de primeira viagem na questão de netos assistiu embasbacado a cesariana. Já o pai, idem médico, ali, na sala de parto a tudo via torcendo as mãos em figa. Orando contrito pela saúde da prole que agorinha mesmo tinha começo.

Quiseram os anos que todos se mudassem para roça do avô urologista e fazendeiro não muito provado. Mal sabia ele a razão de o leite ser branco embora nascido de vacas pretas. E por qual motivo vaca de três peitos não produzir leite como a colega de quatro perfeitos.

Uma vez na roça, pertinho de suas cidades natalinas, quando o garotinho clarinho passeou os olhinhos da cor de jabuticaba madura nos animais nas vizinhanças do curral, era hora da ordenha da tarde, nunca vi tal cena primaveril.

Theo não disfarçava sua emoção incontida ao admirar tantas coisas lindas. Uma égua recém-parida desfilava sua marcha repicada junto a sua eguinha chamada Santa Rosa. Bezerrotas em ponto de serem montadas pelo touro sedento de sexo desfilavam seus garbos defronte a ele. Galinhas, ninhadas de pintinhos amarelinhos, se mostravam cacarejantes bem em frente ao garotinho esperto. Canarinhos da terra ciscavam o esterco de curral. Montes deles, sequinhos, ali estavam, prontos a serem jogados na caçamba do trator, a fim de melhorar a qualidade da terra lá em cima.

Depois foi a hora mais esperada da viagem curta da cidade a roça do avô. De provar o sumo doce das jabuticabas, em sua segunda safra daquele ano de dois mil e dezessete.

Assim que Theozinho olhou os galhos mais baixos das jabuticabeiras carregadas dos seus olhinhos escuros saltavam chispas. Ele nunca havia visto tal coisa. Nem em seus sonhos coloridos de inocência pura.

Fiquei momentos de pura ternura a contemplar tal quadro. Uma obra digna de ser pintada por um Matisse, um Picasso, ou outro gênio das tintas.

Theo, equilibrando-se tropegamente em suas perninhas finas e branquinhas ora levava as frutinhas mais baixas à boca. Ora as retirava do tronco e de novo tentava colá-las no mesmo ponto de onde elas foram desinseridas. As que caíam ao chão cheio de outras frutas maduras ele as retornava ao mesmo ponto de dantes. Theo  mais ficava naquela atitude contemplativa que propriamente degustava o sumo doce das jabuticabas maduras.

Depois de cerca de duas horas naquela contemplação lírica dei por mim se estava ou não delirando.

De repente, não mais que num repente, dei com Theozinho se transformando.

Ele, de lindo meninote branquinho, foi ficando escurinho. Da cor das jabuticabinhas maduras. Da cor da inocência dos seus olhinhos puros.

Seu anterior corpinho lindo e espigadinho foi mudando, mudando, até ver nele nascerem galhos finos como os dos pés de jabuticaba novinho. Suas duas mãozinhas foram ficando como folhas verdes de jabuticabeiras em formação. Em verdade foram enverdecendo, mais que o verde da pastaria no entorno.

Em instantes tudo no meu netinho foi ficando completamente transformado.

Theo, ao cabo de não menos duas horas inteiras mudou de vez para sempre. Elezinho ficou tal e qual uma jabuticabeirinha anã. Só que de frutas branquinhas e apetitosamente docinhas. Não com o pretume anterior.

Acabei dando o nome do jabuticabeiral de Theo Neném. Um lindo garoto branquinho que pretejou.

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