Desencanto do Paulinho escritor

Desde meninozinho, em calças curtas, aquele menino a princípio de cabelos cacheados, da lourice de uma nórdica, nascida na Noruega e países do norte da Europa, adorava usar o tal caderninho de duas linhas, aquele que ajuda a controlar os garranchos primeiros, ali inserir redações inspiradas, historinhas por ele inventadas. Era o primeiro aluno da classe em quase todas as matérias. Entre elas só tirava nota máxima em português.

Aos dez aninhos incompletos naquele dezembro em seu começo já tinha publicado um primeiro livrinho de capa azul. Um tio de nome Rodarte, seu primeiro revisor, que hoje mora no céu ao lado dos seus pais, ao passarinhar os olhos naquela obra insossa disse, numa atitude de desdém: “meu querido sobrinho. Cuidado com os livros ruins. Eles não apenas causam má impressão como podem sepultar precocemente sua carreira de escritor”.

No entanto, como a inspiração a ele não deixava dormir, o jovem, agora adulto, feito médico urologista, continuou o seu périplo incansável pela literatura.

Do primeiro volume, a maior parte doada, crê não foram vendidos menos da undécima parte, vieram outros, outros mais, até no dia de hoje, vinte e seis de novembro, a estante prateleira que me enfeita as costas traz, lado a lado, dezesseis exemplares de livros seus.

Hoje, o menino Paulinho, reconhecido profissional da saúde, não aposentado embora tenha idade para, continua a embalar sonhos de ser escritor reconhecido além da serra alta que daqui se avista.

Ele lança um livro a cada ano. Tem, aqui no seu computador, não computadas dez mil crônicas. Uma por dia, pela manhã ele escreve. Para a partir das oito envergar o jaleco sempre debruçado numa cadeira a frente. E procura amenizar a dor dos outros, pacientes que o procuram tanto aqui quanto nas unidades de saúde pública onde milita.

Um dia o já não mais menino Paulinho, embora ainda se sentindo criança, no alto dos seus quase sessenta e oito anos, completos de aqui há precisos dez dias, ainda considerando a urologia como esposa e companheira, responsável pelos seus parcos ganhos, e a literatura a amante perfeita, ontem, vinte e cinco de novembro, depois de anunciar pelo Face, Instagram, de ter espalhado banners aos quatro cantos da cidade, atreveu-se a lançar mais um livro.

A efeméride assaz divulgada pela mídia local, até a televisão de uma universidade famosa fez uma reportagem sobre o médico escritor, teve lugar no clube do aprazível logradouro onde moro.

Trata-se de um local indiscutivelmente excelente para se morar. Cercado de segurança irrestrita. De ótimos funcionários atenciosos e solícitos. De pássaros que aqui gorjeiam como se estivessem no campo. Na roça que tanto ama o doutor escritor.

Mas, conforme me foi dito por uma moradora antiga, durante um nosso encontro passado, retratado numa crônica anterior, o tal condomínio é um cemitério de mortos vivos.

De fato na noite de ontem, data do lançamento do meu romance Por quem os sinos não dobram, previamente anunciado, amplamente divulgado, fiz o melhor que pude.

Ao evento compareceram alguns gatos respingados. Leitores os quais julgavam presente não deram as caras. Nem ao menos conferiram as nádegas ao assento.

O coquetel foi organizado por minha querida companheira. Ela não mediu esforços. Foi além das expectativas. À minha querida ROSA, com todas as letras em maiúsculo, nota dez. À minha querida filhota, seu marido, meu netinho querido, que roubou a cena tomando o microfone das minhas mãos, aos que compareceram em parca quantidade, meu apreço e eterna gratidão.

Certo que não apareceu nem a undécima parte do que esperava. Mas, dada  a qualidade dos presentes, era uma noite de sábado, muitas festividades ocorreram, imputei ao evento, esquecendo-me do insucesso financeiro, nota mediana.

Apesar de não ter a receptividade que poderia, da despesa que meu bolso semivazio experimentou, do desencanto que a festa me causou, vou continuar a minha saga de escritor. Mesmo ao dissabor de viver ali, naquele cemitério de mortos vivos, neste país onde um ex-presidente alardeia a incultura, onde pessoas acham cinquenta reais caro para um livro bom, considero meu Por quem os sinos não dobram muito melhor do que muitos de um escritor de nome quase igual ao meu. Ele tem o coelho no sobre. O desencanto experimentado na noite de ontem jamais irá me demover de minha arte.

Quantas e quantas vezes comentei: “ é muito fácil ser médico, engenheiro, padeiro, etc. Escrever bem é que faz a diferença. Entre ser e não ser. Conforme nos deixou William Shakespeare”.

A vida gira entre encantos e desencantos. Comigo não vai ser diferente.

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