Da estrada ao desfrute

Há anos vazios tenho persistido num caminho no qual apenas fui iniciado como garoto em férias de fim de ano.

Primeiro foi na roça de umas tias avós. Aqui pertinho, na zona rural da querida Perdões. Cidade que minha mãe tem o passado enterrado. E ali deixou saudades imensas quando jovem enamorada do meu pai.

O sítio da Cachoeira, onde viviam minhas sacrossantas parentas, tias da minha mãe, as queridas Leonor e Mariana, e o tio Júlio, foram os padrinhos do meu longínquo apreço pelos bichos da roça. Foi ali que aprendi a amar as vacas, cavalos, e outros mais ariscos, a exemplo tomo a seriema com seu voo curto, sempre acompanhada de seu príncipe consorte.

Depois, já mais rapazola, encantei-me por outra fazenda. Esta tinha maiores dimensões. Os Abreus viviam lá. Meu tio, irmão do meu pai, Zito Abreu, fazendeiro que me passou a mesma vontade de um dia ser um, morreu feliz da vida, ainda cedo, ali mesmo, onde foi o berço de meu pai. E de outros irmãos.

Passava três, dois, meses, feliz da vida, cercado de primas lindas da vizinha Varginha. Eram as férias de final de ano. Eu, menino, dono de uma lambreta azul e branca, fazia o encantamento não apenas meu como das primas, da mesma idade, garupeiras faceiras, que na minha garupa andavam, despertando em mim sensações inequívocas de homem a ser feito.

Os anos passaram. O menino tornou-se adulto, doutor.

Quando me graduei em medicina, na capital do meu estado, tinha um desejo aqui dentro guardado. Pensava, a exemplo de outros colegas mais longevos que todo médico podia ser fazendeiro. Ledo e incontestável logro.

Passei anos e anos tentando entender a razão de o leite ser branco, emerso de uma vaca preta. Embora tenha tentado compreender acabei por não saber.

E tome prejuízo com a pequena produção leiteira. Tirar leite em pequena escala, pagar retireiro, tratar as ruminantes a pão de ló, não deixar o cocho vazio, logo logo meu bolso é que ficou a míngua.

Foram mais de trintanos nesta atividade que nem ao dono dá lucro. Quem fica ao pé da vaca, mora na roça, não tem outros com quem dividir os prejuízos, pode ser que a atividade leiteira se equilibre. “Dando pra comer tá de bom tamanho”. Assim diz o arrendador das minhas terras. O tinhoso Roberto, que hoje mora na casa Amarelazul, a qual edifiquei, tijolo a tijolo, com os escombros da casa do meu avô Rodartino Rodarte.

Felizmente passei o pepino leiteiro a quem entende de vacas e suas crias.

Como aprecio a vida na roça, não sei se me adequaria a viver ali, como não tenho casa onde passar as noites chuvosas, ou caçando vagalumes no raiar da lua cheia, de tempos pretéritos, como minha roça dá um beijo apaixonado na represa do Funil, pensei em construir uma casa alta, num desaterro feito há anos e anos passados.

Creio que, numa passada d’olhos, breve, conto um ano e meio de hoje atrás, comecei a construir outra residência, em plano elevado, olhando do alto, sem ares de superioridade, o lago do Funil.

O primeiro percalço a ser vencido era o acesso a este logradouro. Que estradinha ruim ligava a casa Amarelazul a esta nova a ser construída. Era um espaço curto. Sem mais nem menos oitocentos metros exatos. Sem a exatidão de uma fita métrica que minha esposa usa com paixão de estilista que é.

No período chuvoso ela fica intransitável. Na seca os buracos feitos pelas enxurradas tornam o acesso ainda mais custoso.

Para resolver o imbróglio contratei uma firma especialista em construir estradas. A tarefa complicada foi entregue à Bragança Engenharia. E como caiu chuva ao final do ano passado! As máquinas da construtora, que me cobrou a exorbitância de mais de vinte mil reais, ali ficaram plantadas, quase atoladas, por mais de cinco meses. E nunca ficava satisfatório o leito da curta via de acesso ao Solar onde pretendo passar finais de semana agradáveis. Degustando saborosas comidas na trempe do fogão a lenha, ou assando churrasco na churrasqueira contígua.

Estrada pronta. Ficou deplorável. Foi preciso pedir a ajuda a outro ijaciense, que de novo me cobrou um bom bocado para corrigir o mal feito da outra empreiteira.

E como gastava rios de dinheiro na empreita da casa com chave na porta! O pedreiro verdureiro, que morava na casa do ex- retireiro, por ver a coisa ir de mal a pior, achou melhor roer o contrato. E sumir no mato. E tive de inserir outros profissionais da colher no Solar, a fim de me consolar.

Foram feitas diversas adequações no projeto original. De fato foram necessários. Para melhorar as acomodações.

Eram mais de seis meses de obra. Acompanhava par e passo todos os tijolos assentados. Se ficaram desalinhados eu não percebia. De tão empolgado que estava.

Tempos maiúsculos passavam velozes. E a casa Solar não ficava prontinha da vírgula, sem ponto final.

E minhas economias davam sinal de alarme. A aplicação, de repente, se viu vazia.

Quantos especialistas em construção passaram pela minha nova morada. Conto no dedo os melhores, dentre os muitos piores. O pintor renomeado – Clodoaldo e seus asseclas. Um pedreiro de fino trato, especialista em fazer fogões a lenha, de nome Mario. Um eletricista que sabe dar a luz como poucos. O ijaciense Donizete Trato Fino. A parte de vidros foi entregue a uma firma de Lavras. Não há como falar mal da Eletro Vidros local. O material, metade comprado em Ijaci, a outra na minha cidade amada, foi de melhor qualidade que a minha de regular procedência.

Enfim, agora com o apoio inquestionável do amigo Roberto, que cuida do meu cão fiel, de nome Del Rey, o Solar Paulo da Rosa está de pintura irretocável. As janelas brilham sob o sol do meio dia. O piso claro bem retrata a minha felicidade. Os três banheiros são ideais para não apenas exonerar o conteúdo dos nossos intestinos como para um banho vespertino. Os quatro quartos da parte de cima bem refletem a luz da lua nova. Com uma linda vista para as águas verdes do lago do Funil. Um deles vai ser o meu. Os outros três de quem ali pisar os pés. Um deles, do lado esquerdo de quem sobe as escadas camaradas, vai ser o lugar onde pretendo, caso a morte não me venha buscar antes, de concluir não sei quantos livros mais. Espero encher a estante que ainda irei fazer. Não sei como ela vai suportar tantos livros meus.

A sala de jantar, anexa a cozinha ampla, vai ser o lugar ideal para tirar a fome que por vezes aperta. E as espaçosas varandas? São elas um capítulo a parte do meu novo romance, de nome Rakel.

Hoje, vinte e três de janeiro, de agora a sete dias vai ser a inauguração do Solar.

Da estrada ao desfrute será apenas uma semaninha minúscula. Quanta coisa boa aconteceu, durante a edificação do Solar? E quantas não menos boas? Nem sequer conto nos dedos, todos das minhas mãos.

 

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