Tenho medo do amanhã

O sono do velho cada vez mais se reduz a um piscar de olhos.

Um dia pensei qual seria o motivo de tal ocorrência. Depois de uma noite curta, ao acordar antes da madrugada, concluí que talvez seja para que ele aproveite melhor o tempo que lhe resta. Dormindo menos ele pode encarar a luz do dia em sua plenitude máxima. Já que a noite para ele não tem outro valor. Já que a escuridão da morte logo chega. E o pobre idoso vai passar a eternidade num lugar desconhecido. Onde não se sabe se a luz incendeia o horizonte. Ou as trevas vão ocupar aquele buraco negro. Ou se deveras o azul predomina num céu azul como o de hoje.

Sempre tive medo da noite. Em menino pensava, coisas de crianças, que durante as noites escuras os fantasmas, ou as bruxas, rondavam sobre nossas cabeças. E, caso a gente dormisse demais, na manhã seguinte não acordássemos. E continuássemos a dormir até o infinito.

Aquele menino cresceu. Tornou-se adulto. Embora não me sinta velho a mesma sensação de temor da noite ainda me acompanha.

Por este motivo amo as madrugadas. Deixar a casa bem cedo, com as ruas ainda quase vazias, tem feito parte da minha peregrinação por este mundo. Até quando? Prefiro ignorar.

Noutro dia passei por um grupinho de jovens confabulando entre eles. Era o último dia das provas do ENEM. Alguns comentavam sobre as dificuldades que o exame ofereceu. Já outros, preocupados com o resultado, tristonhos mostravam o semblante carregado.

Deixei-os um tanto aliviado por estar nesta idade em que me encontro. Já passei por tudo isso. O vestibular já venci. Estou certo que elegi a profissão ideal. Hoje me situo entre tantos brasileiros felizes com a condição que conquistei. Não tenho mais ambições senão continuar a viver. Feliz me confesso. Realizado como pessoa ainda não. Como pai creio que devo ouvir a opinião de meus filhos. Como marido deixo a incumbência a minha esposa. Como avô ainda me falta estreitar o abraço carinhoso dos netos que terei.

O melhor seria não pensar no que ainda virá. O hoje é que conta. Seria? Mas, como todo cidadão pensante, preocupa-me o destino de nosso país. O que vai ser de mim? E daqueles que esperam um Brasil melhor?

Continuo a pensar no amanhã.  O passado já se foi. Ele deixou saudades de um tempo que o vento levou.

Como estarei no dia de amanhã? Serei ainda capaz de caminhar distâncias infinitas? De pensar, de sonhar, da mesma forma o futuro vai me responder a tantas indagações?

Confesso certo receio do dia de amanhã. Hoje estou bem. Não sei por quantas horas continuarei com a mesma clarividência de agora.

Hoje conto com quase sessenta e nove anos. Em dezembro perto mais um ano me espera. Em janeiro estarei quase setenta. Mais um ano mais.

Quanto mais velho me torno menos conto as horas durante a noite. Penso que dormir é um desperdício de tempo. O sono não me faz falta. O dia sim. Este é fundamentar para me fazer feliz.

Razões existem para pensar assim. Caso fosse enumerá-las perderia muito tempo. E como o tempo é precioso para quem fica idoso.

Aproveito cada minuto que ainda me resta. Faço de tudo para ser feliz.

Preciso do clarume do sol. Dias nublados me turvam a visão. A noite, por ser escura, mais e mais me faz sonhar com as madrugadas lindas. Com o canto dos pássaros. Com as flores que se deixam ver nos jardins.

Não deixo de pensar nos amanhãs. Apesar de temê-los.

Não consigo viver apenas pensando no hoje. Dizem que amanhã é outro dia.

Sofismo muito sobre o passado. Ele sempre vem às minhas lembranças. Doces recordações de menino.

Como de hábito tenho receio da noite. Receio não acordar no dia seguinte.

Como velho, que não me sinto, pretendo viver muitos anos ainda.

Mas, como prognosticar quantos anos mais terei, já que isso é impossível, o receio dos amanhãs continua a mugir dentro de mim. Não sei como fazer. Já que estou assim…

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