O sol nasce igual para todos. Pena que nem sempre aproveitamos

Hoje, dezembro passada a metade, o sol amanheceu incomodando os olhos.

De noite choveu pesado. Relâmpagos, trovões, deixavam-se ouvir no céu escuro que de repente se fez.

Quase não dormi durante a noite. Um calor infernal me fez rolar na cama. Amarfanhar o travesseiro, deixar o lençol molhado, foram indícios desta noite mal dormida. Agora ainda faz calor. No dobrar do dia tenho a certeza que vai esquentar mais ainda.

Trata-se da última semana que antecede o Natal. O verão entra com sua língua de fogo. Tomara as chuvas não nos deixem tão cedo. Como ela faz falta nos ares da roça.

Foi quando imaginei a história de dois meninos. Ambos nasceram no mesmo dia. Só que em locais díspares.

Antenorzinho nasceu na roça. Filho de pais simples. Trabalhadores, bons exemplos a deixarem aos filhos.

Numa cidade perto nasceu Felipe. Filho único de gente abastada. Desde cedo sempre teve tudo de melhor. Nunca lhe faltou nada na sua vidinha de gente grã-fina.

Mas, justamente por este detalhe, Felipe nunca quis nada com os estudos. Passava todo o tempo entregue às más companhias. Aprendeu, antes dos nove anos, a usar drogas e outros vícios maiores. Os pais, sempre ocupados, não lhe davam a atenção devida.

Antenorzinho, ao revés, não tinha tempo para ficar à toa. Já aos cinco anos tinha de ajudar ao pai nas tarefas rotineiras daquele pedacinho de terra pequeno. De onde tiravam o sustento daquela família feliz, e bem o sabiam.

Na cidade a vida passava lépida como o tropel de um bando de cavalos correndo a crinas soltas. A família de Felipe estava prestes a celebrar o Natal.

Foi quando, justamente na véspera da data máxima da cristandade, Felipinho desapareceu.

Os pais, preocupados com o destino do menino, procuraram por toda a vizinhança. Passou uma semana desde o desaparecimento do jovenzinho.

Um mês inteiro sumiu no calendário. E nada de Felipinho as caras. Foram mobilizados todos os veículos de comunicação. A imprensa toda noticiou o desaparecimento do menino.

Na roça Antenor continuava nas suas lidas costumeiras. Da escola ao trabalho vivia o jovenzinho.

Não tinha tempo de pensar em outra coisa. Era por demais ocupado o bom menino.

Quando pensavam que Felipinho nunca mais seria encontrado deram com a notícia infausta num jornal da localidade.

Na mesma semana do Natal encontraram vestígios do paradeiro da criança. Foi um morador de rua quem deu as primeiras pistas de onde estava Felipinho. Mas, a procura se mostrou infrutífera. Foi mais um boato. Nada de concreto foi encontrado. Apenas uma Fake News, das tantas que pululam na internet.

Na roça a vida continuava calma para a família de Antenorzinho. O trabalho absorvia todo o tempo de ócio. Estudar, ajudar ao pai, era a única preocupação do bom menino.

Na cidade, ao contrário, a família do desaparecido perdia, pouco a pouco, a esperança de ter o filho de volta.

Todos os esforços foram feitos. Mas se mostraram debaldes.

Um ano se passou. O Natal se fez ausente. O ano novo mostrou a cara. Tudo indicava que Felipinho nunca mais seria encontrado.

Na roça Antenorzinho completou dez anos. Bom aluno, precisava deixar a roça para continuar os estudos. Assim o fez, num dia lindo como o de hoje.

Foi morar na casa de um aparentado. Graças a ele Antenorzinho se tornou um requisitado profissional das leis.

Montou banca de advogado. E enveredou-se pela área criminal. Seu sonho desde menino.

Foi quando o procuraram, no escritório, os pais de Felipinho.

O jovem havia sido encontrado, anos mais tarde, fazendo parte de uma quadrilha de marginais. Ao jovem Felipe haviam sido imputados vários crimes. Entre eles tráfico, formação de quadrilha, assalto a mão armada, e outros processos mais.

Felizmente estava vivo o jovem marginal.

O encontro entre os dois se deu numa cela escura.

Felipe, convertido num meliante corrompido pela vida, chorou ao contar a sua história.

Doutor Antenor se comoveu ao ouvir aquela confissão de erros reincidentes.

E tudo fez para libertar o seu cliente.

Mas, como pau que nasce torto nem as cinzas se endireitam, assim que se viu livre da cadeia Felipe voltou às velhas companhias.

Na véspera do Natal, durante um assalto a banco, Felipinho foi alvo de um tiro a queima roupa. Morreu antes de completar vinte e cinco anos. Ainda em plena mocidade.

Hoje o sol amanheceu radiante.

Acordei bem cedo. Depois de uma noite mal dormida. Como faz calor. O céu, de um azul intenso, parece que vai continuar assim até o cair da noite.

Foi quando imaginei essa história, que acontece todos os dias, de dois jovens, a quem a vida presenteia com oportunidades equivalentes, para eles o sol nasceu igual e, por ironia do destino não sabem aproveitar a chance Deus lhes deu, e acabam virando as costas à sorte que porventura deitaram fora.

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